“Mr. Loverman”, de Bernardine Evaristo (2013)

Bernardine Evaristo venceu o Booker Prize de 2019 com o excelente Rapariga, Mulher Outra (ex-aequo com Os Testamentos, de Margaret Atwood), e este Mr. Loverman, de 2013, parece uma espécie de teste para esse outro.

O livro é narrador por Barry Walker, natural de Antígua, mas emigrado em Londres desde os anos 60. Barry é casado, tem duas filhas adultas, mas a sua grande paixão, desde os tempos de Antígua, é o seu conterrâneo Morris.

Barry e Morris têm uma vida clandestina há décadas, mas isso está a ser cada vez mais difícil. Como pode Barry assumir a sua homossexualidade?

Bernardine Evaristo escreve com uma mistura de inglês e patuá e neologismos e o tradutor, Miguel Romeira, deve ter-se visto em palpos de aranha para conseguir o que eu acho ser uma excelente tradução.

“- Querida, essa tua comida é sublime, tu nasceu para cozinhar. Nunca pensou em abrir um restaurante? (…)

Mulher mais melindrosa…”

A esposa de Barry é a Carmel, com quem ele se casou ainda jovem lá em Antígua – e outra coisa não poderia fazer, porque ninguém, na sua terra, aceitaria a sua homossexualidade. Depois de ter feito as duas filhas, Barry nunca mais tocou em Carmel, mas ela também tem os seus segredos.

Barry Walker é um emigrante bem-sucedido, mas, se algum nacionalista surgir no seu caminho, não hesita em ir-se embora.

“Se em algum momento esse país começar a nazificar e outro Hitler de merda subir ao poder, posso sempre mudar-me para outro sítio mais seguro. Os mais novos desconhecem que houve um deputado conservador chamado Enoch Powell que fez o discurso «Riso de Sangue» contra a imigração, ou um movimento nos anos 70 para «mandar os pretos para a sua terra», ou que tivemos de viver paredes-meias com o ódio da Frente Nacional Britânica.”

Na página 275, esta afirmação de Barry Walker é surpreendente:

“Se África importou alguma coisa, não foi a homossexualidade, mas a homofobia, por influência dos missionários europeus, que viam a homossexualidade como um pecado. Veja-se o caso de Angola antes do colonialismo: os homossexuais eram aceites e não perseguidos. Foram os portugueses a criminalizar a homossexualidade.”

Lá mais para o fim do livro, Barry começa a assumir-se e a sua filha mais nova consegue arrastá-lo para um bar gay, onde um dos seus amigos se sai com esta:

“O Lola não o está a aborrecer, não? Já começou com aquela conversa maçadora de que Jesus era uma lésbica africana?”

Um livro divertido, não tão conseguido como o que deu o prémio a Bernardine Evaristo, mas que vale a pena ler.

“Raízes Brancas”, de Bernardine Evaristo (2008)

Gostei muito de Rapariga, Mulher, Outra, o livro com que esta escritora anglo-nigeriana venceu o Man Booker de 2019.

Fiquei com curiosidade em conhecer outras obras de Evaristo e a Elsinore editou agora um romance de 2008 e que foi uma desilusão.

A ideia é muito boa: Bernardine Evaristo cria um mundo em que os escravos são os brancos e os senhores são os negros, mas penso que não conseguiu dar a volta à excelente ideia que teve.

Neste livro, os negros, que são os senhores, castigam os escravos brancos, mandam-nos borda fora quando eles estão moribundos, vendem-nos em hasta pública, mas continuam a usar tangas e não me convencem como senhores do Mundo.

Evaristo acaba por construir uma história centrada numa escrava branca que, depois de algumas tentativas, consegue fugir.

Não me convenceu.

“Rapariga, Mulher, Outra”, de Bernardine Evaristo (2019)

Em 2019, houve duas vencedoras do Man Booker Prize.

Apesar do Prémio ter Man no nome, foram duas mulheres as vencedoras: Margaret Atwood, pelo seu livro Testamentos e este excelente Rapariga, Mulher, Outra, de Bernardine Evaristo.

Quase que apetece dizer que o júri do Man Booker não se atreveu a conceder o prémio apenas à escritora anglo-nigeriana, e resolveu juntar o nome de Margaret Atwood. De facto, Rapariga, Mulher, Outra é, na minha opinião, muito melhor que Testamentos.

Evaristo nasceu em Londres em 1959, filha de uma professora inglesa e de um soldador nigeriano, quarta de oito filhos.

É autora de romance, poesia, teatro e crítica literária e, com este Rapariga, Mulher, Outra, conseguiu um dos melhores livros que li ultimamente.

Numa escrita torrencial, conta-nos as histórias de doze mulheres: Amma, uma dramaturga negra e lésbica, Shirley, sua amiga, professora, farta da profissão; Carole, ex-aluna de Shirley, uma bem-sucedida gestora de fundos de investimento, que se envergonha das suas raízes africanas, a sua mãe, Bummi, negra e empregada doméstica; e mais oito personagens femininas principais, para além de outras que cirandam à volta destas.

São quase 500 páginas de histórias que nos mantêm agarrados, e sempre com uma linguagem fresca, sem grandes rodriguinhos.

Claro que não conheço a versão original, em inglês, mas atrevo-me a dizer que a tradução de Miguel Romeira é excelente.