Era um insone de longa data.
Durante anos, tomou comprimidos para dormir. Se não os tomasse, ficava horas a contemplar o tecto, na semiobscuridade do quarto.
Experimentou todas as técnicas, desde a respiração sincopada à contagem de carneiros. Nada resultava, a não ser o comprimido mágico, tomado uma hora antes de ir para a cama.
Muitos mais anos depois, conseguiu deixar os comprimidos e o seu padrão de sono modificou-se radicalmente: adormecia facilmente, mas tinha acordares precoces.
Bastava encostar a cabeça à almofada para que os seus olhos se fechassem e o sono se abatesse sobre ele. No entanto, se um golpe de vento fazia bater uma janela, se o camião do lixo fazia um pouco mais de barulho ou se uma ambulância passava com a sirene ligada, era certo e sabido que acordava. Depois, para voltar a adormecer era o cabo dos trabalhos.
As coisas pioraram com o aparecimento do galo.
A partir de certa altura, por volta das 5 da madrugada, um galo cantava.
E ele acordava.
E o galo repetia o seu canto três ou quatro vezes e ele já não conseguia voltar a adormecer.
Um galo em plena cidade!
Quem teria tido a ideia?
Ainda pensou em voltar aos comprimidos, mas decidiu-se por algo de mais radical.
Na madrugada seguinte, assim que o galo começou a cantar, saiu de casa, empunhando a faca mais bem afiada que possuía.
Seguindo o som, encontrou-se, cara a cara, com o galo, num quintal vizinho.
Para que é a faca? – perguntou o galo.
Mas tu falas?! – espantou-se o homem.
Claro que falo! Para que é a faca?! – insistiu o galo.
O homem estava perplexo e hesitou um pouco.
Estás espantado com quê? – questionou o galo – Todos os animais falam! Desde sempre! Mas raramente o fazemos à frente de vocês, humanos. Para que é a faca?! Querias cortar-me o pescoço?
O homem fez que sim com a cabeça.
Porquê?! – perguntou o galo.
Por causa do barulho, – respondeu o homem – Assim que começas a cantar, acordo e não consigo voltar a adormecer.
Desculpa, – disse o galo – está na minha natureza cantar de madrugada. Vou tentar cantar mais baixinho.
E assim foi.
O galo passou a cantar mais baixo e o homem nunca mais acordou de madrugada.
Tudo se consegue com o diálogo.