Jornalistas que refazem a História

João Pereira Bastos, director da Antena 2, de 1996 a 2005, escreve uma divertida carta ao director do Público sobre um programa que a RTP transmitiu, a propósito do centenário do nascimento de Marcelo Caetano, no passado dia 17.

Pelos vistos, segundo os jornalistas responsáveis pelo programa, a Acção Nacional, de Caetano (que substituiu a União Nacional), chamava-se Assembleia Nacional Popular, a ala liberal não incluía Pinto Balsemão, Maria Callas veio ao S. Carlos cantar a “Aida”, de Verdi, e não La Traviata, e o seu acompanhante mudou de nome: em vez de Alfredo Kraus, passou a chamar-se Alfredo Strauss.

J.P. Bastos termina a sua carta com muito humor, dizendo: “é como se eu fosse obrigado a escrever sobre futebol, matéria que não me é familiar, e não me certificasse que o ex-treinador do FCP, Co Adriannse, não é uma variante dos meus comprimidos para a pressão arterial, o Co Aprovel”.

Não querendo comparar Marcelo Caetano aos Rolling Stones, até porque estes, ao contrário do cinzento professor, ficarão na História e são muito mais divertidos, a Visão de 10 de Agosto, tem um artigo, assinado por Miguel Judas, que começa com um chorrilho de imprecisões.

Começa o artigo por dizer: “Na pequena sala de concertos The Scene, como já era habitual às quartas-feiras, uma pequena multidão apinhava-se para ver os «miúdos» Brian, Keith e Mike…”

Para além de a estreia dos Stones ter sido no Marquee Club, em Londres, em 1962, acrescente-se que a composição da banda era: Brian Jones, Keith Richards, Mick Jagger, Charlie Watts e Bill Wyman. Quem seria o Mike?…

Logo a seguir, o artigo continua: “Mais de 40 anos depois, as mesmas palavras continuam a ser utilizadas quando se fala dos Rolling Stones, a banda composta pelos «graúdos» Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ronnie Wood (que entrou após a morte de Brian Jones, em 1969)”

Mais uma série de imprecisões: Ron Wood não substituiu Brian Jones coisa nenhuma. Jones morreu em 1969 e foi substituído por Mick Taylor. Os Stones continuaram como quinteto e gravaram “Trough the Past Darkly” e “Let it Bleed”, em 1969, “Get Yer Ya-Ya’s Out”, em 1970, “Sticky Fingers”, em 1971, “Exile on Main Street”, em 1972, “Goats Head Soup”, em 1973, “It’s Only Rock’n’Roll”, em 1974, “Metamorphosis”, em 1975, e só então, seis anos depois do que diz Miguel Judas, é que Ron Wood se juntou aos Stones, tendo saído Mick Taylor. Mais tarde, em 1992, Bill Wyman saiu e só então, há apenas 14 anos, é que os Rolling Stones ficaram com a sua actual formação.

Judas decidiu-se pela simplificação, ignorando os factos, ou não sabia nada disto? É que é fácil: a informação sobre os Rolling Stones é vasta e está acessível em muitas fontes. Basta clicar, por exemplo, www.allmusic.com.

O problema é que, como diz João Pereira Bastos: “o erro grosseiro de hoje arrisca-se a ser a verdade histórica de amanhã”.

3 thoughts on “Jornalistas que refazem a História

  1. este tema é dos mais desinteressantes da História de O COISO — para mim claro. Marcelo Caetano e os Rolling Stones não existem na minha memória, bastante preenchida com assuntos muito mais fascinantes.
    Agora a ignorância dos jornalistas, todos os dias amplamente documentada, é sem dúvida um tema riquíssimo, pouco criticado e com frequência esquecido.
    Nada disto teria a menor relevância, não fora a infelicidade de eles terem todos os dias a oportunidade de escrever para milhares de pessoas,manipulando de maneira frenética a História, o Dia a Dia, o Desporto, a Musica, as Guerras,etc,etc. E não há quem possa evitar isso, porque seria Censura…
    Seria ?

  2. Quando leio artigos em qualquer meio de comunicação de massas fico sempre de pé atrás: será exactamente assim?

    Ainda há pouco tempo li na secção de entretenimento da Visão que uma banda qualquer tinha dado um concerto “unplugged”, a foto que acompanhava o texto mostrava uma bateria, duas guitarras eléctricas e um baixo, igualmente eléctrico. Mais à frente, o próprio texto indicava que não só estes instrumentos compunham o espectáculo, como os seus executantes usavam uma panóplia de pedais de efeitos.

    Portanto, um concerto tudo, menos unplugged. Os músicos, na foto, apareciam sentados… será que, para o jornalista em questão, “unplugged” não é sinónimo de acústico, “desligado”, mas de “sentado”?

    Obviamente que não é nada de grave, mas é uma imprecisão que revela ignorância. E esta, parece ser cada vez mais comum entre os que se entitulam jornalistas, hoje em dia.

  3. Penso que, nos dias de hoje, o prestigio do jornalismo esta completamente de rastos. A força que pode ter o bom jornalismo é fundamental para o desenvolvimento cultural da população.

    Um canal estatal como a RTP, deveria ser um viveiro de talentos e não um aquario de inexactidões.

    Mesmo os jornais de referência do panorama português, parecem, por vezes, cair nesse habito comercial de engalanar a realidade e/ou de não aprofundar as pesquisas.

    Como diz o Pedro, cada vez mais, nem sempre se pode crer naquilo que se lê…

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