O papel do papel higiénico na revolução bolivariana

As revoluções, por vezes, têm destas coisas.

O ministro do Comércio da Venezuela, Alejandro Fleming (que nada tem a ver com o fulano que descobriu a penicilina..) afirmou: «A revolução trará para este país o equivalente a 50 milhões de rolos de papel higiénico para que o nosso povo se tranquilize e compreenda que não deve deixar-se manipular pela campanha mediática de que há escassez».

Segundo o ministro, o povo venezuelano consome cerca de 125 milhões de rolos de papel higiénico por mês (cagões!) e a produção nacional chega, mas acontece que a oposição a Nicolas Maduro está a açambarcar este e outros produtos, a fim de provocar uma escassez artificial de bens essenciais.

Mas não é por causa de 50 milhões de rolos de papel higiénico que a revolução bolivariana vai parar!

Os revolucionários venezuelanos vão poder continuar a limpar o rabo a papel higiénico de qualidade, em vez de o arranharem com papel de jornal, graças à determinação do seu governo.

Ora, li hoje no Expresso, que Portas parte para a semana para Caracas, com uma comitiva de 40 empresários.

Aqui fica a sugestão: por que não aproveitar esta oportunidade de negócio e levar, no avião, uns rolitos de papel higiénico da Renova, que até uma marca nacional?

E, já agora, embalagens de óleo de amêndoas doces, que é um bom amaciador para quem caga muito…

Otelo poupa no Orçamento

Ficaram todos muito chocados quando o Otelo disse que lhe bastariam 800 homens para derrubar o governo.

O homem estava a ser poupado, caramba!

Só para despentear o ministro da Defesa, Aguiar Branco e calar o Miguel Relvas serão precisos dois exércitos!

O Otelo estava a querer poupar dinheiro aos contribuintes.

Obrigado Otelo – e não te esqueças de tomar as gotas, pá!

“A Sombra do que Fomos”, de Luis Sepúlveda (2009)

A contra-capa deste pequeno livro diz tudo:

«Num velho armazém de um bairro popular de Santiago do Chile, três sexagenários esperam impacientes pela chegada de um quarto homem. Cacho Salinas, Lolo Garmendia e Lucho Arencibia, antigos militantes de esquerda derrotados pelo golpe de estado de Pinochet e condenados ao exílio, voltam a reunir-se trinta e cinco anos depois, convocados por Pedro Nolasco, um antigo camarada sob cujas ordens vão executar uma arrojada acção revolucionária. Mas quando Nolasco se dirige para o local do encontro é vítima de um golpe cego do destino e morre atingido por um gira-discos que insolitamente é lançado por uma janela, na sequência de uma desavença conjugal.»

É isto. “A Sombra do que fomos” é uma historieta. Tem graça, está bem escrita, mas sabe a pouco.

Algumas passagens fizeram-me recuar aos tempos do PREC. Exemplo:

«Na assembleia, Coco Aravena sentia-se eufórico porque a comissão de agitação e propaganda do Partido Comunista Revolucionário Marxista-Leninista, pensamento Mao-Tsé Tung, tendência Enver Hodxa, bastante diferente da camarilha liquidacionista que se fazia chamar Partido Comunista Revolucionário Marxista-Leninista, pensamento Mao-Tsé Tung, tendência bandeira vermelha, o tinha escolhido para a leitura de uma resolução do Comité Central destinada a mudar a história.»

É o segundo livro de Sepulveda que leio e não me entusiasma.

“Cisionistas, revisionistas e boicotadores”

O MRPP fez ontem 40 anos!

Para quem não sabe – e há muita gente que não sabe – MRPP é a sigla de Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (reorganizativo de quê?!…do PCTP – Partido Comunista dos Trabalhadores de Portugal).

A coisa parece tão anódina como Movimento para a Reintrodução no Mercado do Óleo de Fígado de Bacalhau.

Quem quer recuperar uma coisa que é intragável?

No seu 40ª aniversário, o Garcia Pereira, perdão, o MRPP fez saber que, desta vez, não vai concorrer às eleições presidenciais.

Faz mal.

Competindo com candidatos como Fernando Nobre e Defensor de Moura, Garcia Pereira era muito capaz de, desta vez, ir à segunda volta contra Cavaco Silva e ganhar.

Eu, pelo menos, dava-lhe o meu voto.

Antes o Garcia que o Cavaco, safa!

O 40º aniversário do MRPP fez-me lembrar uma pequena notícia publicada no falecido Diário Popular, a 26 de Julho de 1979 e que dizia “Arnaldo Matos demite-se”.

Ora, Arnaldo Matos era, nessa altura, o Grande Educador da Classe Operária (tudo com letra grande e não se riam porque era assim, exactamente, que ele era conhecido). Advogado e dirigente do MRPP, Arnaldo Matos e o seu bigode educavam a classe operária portuguesa como mais ninguém.

Mas, em 1979, Matos tinha 40 anos (como o MRPP tem agora) e estava farto de alguns dirigentes do movimento “não aplicarem a liberdade de expressão no interior da organização”, segundo diz a notícia. Vai daí, considerando que esses dirigentes eram “cisionistas, revisionistas e boicotadores”, Arnaldo Matos demitiu-se para nunca mais voltar.

Saindo o Grande Educador, a classe operário ficou cada vez mais mal-criada.

Até hoje!

É ver polícias acampados à porta do MAI e professores a descerem a avenida e a chamar mentiroso ao senhor primeiro ministro!

Entretanto, Garcia Pereira e o MRPP, ambos simultaneamente, continuam a dizer que são pela revolução socialista.

A malta aguarda, serenamente.

No entanto, se o camarada Garcia Pereira fosse Presidente da República, convenhamos que a Revolução Socialista ficava mais fácil, não?…

Não sejas chato, ó Garcia – concorre lá, pá!

As cantigas do GAC

Os quatro discos do Grupo de Acção Cultural, de 1976 e 1977, foram agora editados em cd, remasterizados. Comprei os quatro.

Porquê?

Porque posso; porque gosto de ajudar espécies em vias de extinção; porque gosto de recordar o tempo em que tinha 23 anos; porque gosto de me espantar com as coisas que eu era capaz de dizer.

É muito difícil explicar hoje, aos meus filhos, que nós vibrávamos com algumas destas cantigas e éramos capazes de cantar, com convicção, coisas como: “e há tanta gente pra lutar/ p’la democracia popular/ que não há falsos amigos do povo/ que nos impeçam de um dia ganhar” – ou, ainda pior: “soldados e marinheiros suas armas erguerão/ ombro a ombro com o povo/ pra acabar com a exploração/ será a luta final/ em vermelho, em multidão”.

Foram anos, felizmente poucos, de delírio colectivo: fundar uma Democracia Popular num país europeu, membro da Nato! Como foi possível?

Mas que foi divertido, lá isso foi…

Quanto aos discos:

“A Cantiga é uma Arma” é o mais panfletário, cheio de hinos aos operários e camponeses. A influência de José Mário Branco é notória. Embora já se desconfiasse, ficamos agora a saber que é ele o autor das melhores cantigas deste álbum: “A Cantiga é uma Arma” (“contra quem, camaradas? Contra a burguesia!”), “A Luta do Jornal do Comércio” (“Ó Machado, vai-te embora!”), “Alerta” (“Democracia Popular e Ditadura Proletária, pois claro!”), “Ronda do Soldadinho”, entre outras.

São 17 faixas cheias de palavras de ordem e as músicas têm, muitas delas, estrutura de marcha. A faixa nº9 chama-se “Hino da Reconstrução do Partido” e alguns dos elementos do GAC estiveram envolvidos na fundação do PCP (R) e apoiavam abertamente a UDP. Aliás, durante algum tempo, a cantiga “Alerta” foi o hino da UDP.

Esta colagem de elementos do GAC aos partidos à esquerda do PCP, fez com que outros elementos, como Fausto, se afastassem do grupo.

Embora editado em 1976, o primeiro álbum do GAC resultava da junção dos vários singles saídos em 1975. “Pois canté!!” é outra história. Editado em 1976, o 2º álbum do GAC é um salto qualitativo enorme, em relação ao anterior. A noção de “cantiga ao serviço do povo” é enriquecida com a cultura musical dos vários elementos do GAC (instrumentistas, maestr5os, críticos de música, compositores, cantores, etc).

“Pois Canté!!” tem algumas cantigas que continuam a ser muito audíveis, apesar das letras “revolucionárias”. É o caso do tema que dá o nome ao álbum, da autoria do José Mário Branco. A estrutura da canção é muito trabalhada por instrumentos de sopro (fagotes e flautas) e a voz do compositor impõe-se: “enquanto anda lá no céu a cotovia/ ando a trabalhar o pão de cada dia/ para encher a pança a essa burguesia/ sempre a trabalhar/ pro patrão gozar/ isto inté qu’há-de mudar um dia/ Pois canté!”

Outras grandes cantigas (todas de José Mário Branco): “Cantiga sem maneiras”, “Cantiga do trabalho” e “Coro dos trabalhadores emigrados”.

Mas quase todos os temas de “Pois Canté!!” são música popular, folk, se quiserem, de qualidade, apesar das letras datadas (“lado a lado com o teu homem/as mesmas horas do dia/O patrão aos dois explora/Inda mais a ti Maria”).

Depois do êxito de “Pois Canté!!”, o GAC começou a enfrentar os problemas do PREC (processo revolucionário em curso): divergências internas, dúvidas quanto ao rumo a seguir. “…E Vira Bom” é o 3º álbum. A estrutura do álbum difere muito do anterior, alternando um cantiga de raiz popular, adaptada pelo GAC, com um instrumental tradicional. José Mário Branco é autor, apenas, de um tema, o “Hino da Confederação”.

Não se pode dizer que tenha esmorecido o fervor revolucionário, mas nota-se que as coisas já mudaram porque as letras estão mais “suavizadas”, embora ainda se digam coisas como “dia a dia a vida é um tormento/ e ao ricaço anda a gente/ a dar a dar sustento/ vida santa/ a vida do madraço/ que o trabalho é cá pra gente/a dar a dar/ cansaço”.

Também em 1977 saiu “…Ronda da Alegria”, o 4º e último álbum do GAC. Neste álbum, não consta nenhuma colaboração de José Mário Branco nem de Tino Flores (outro elemento muito activo do GAC, em 1975 e 1976). Aliás, se não me engano, os únicos nomes que se mantêm na ficha técnica dos quatro álbuns, são os de Eduardo Paes Mamede e de Luis Pedro Faro.

“…Ronda de Alegria” é mais do mesmo. Temas de raiz popular, com letras “revolucionárias” e arranjos “populares” – muita percussão, muitos bombos e tarolas, muitas gaitas de foles, Trás-os-Montes e Alentejo, operários e camponeses, menos soldados e marinheiros do que em 1975 porque, entretanto, tinha acontecido o 25 de Novembro de 75 e parecia claro que nem todos os soldados e marinheiros eram revolucionários…

E o GAC dissolveu-se pelas mesmas razões que se dissolvem as empresas capitalistas: falta de cacau, massa, carcanhol, papel, pasta, narta!

Mas lá que foi divertido, foi e nós, quando nos reunimos em família, não resistimos a cantar, em coro: “na herdade do Vale Fanado/ terra rica em trigo e gado/ freguesia de Albernoa…”