“Os Alferes”, de Mário de Carvalho

Mário de Carvalho (Maternidade Alfredo da Costa, 1944) fez parte da equipa  do programa da Rádio Comercial, Uma Vez por Semana, uma ideia do José Duarte, para a qual também contribuí.

Porto Editora reedita um dos mais importantes romances de Luis SDas reuniões que tivemos em conjunto, lembro-me de um homem calmo, com um humor fino e escorreito, traduzido numa linguagem rica e imaginativa.

Assim são as três histórias que fazem parte deste livrinho, cuja primeira edição data de 1989.

Era Uma Vez um Alferes, A Última Cavalgada e Há bens que Vêm por Mal são os títulos das três histórias que têm alferes como protagonistas, alferes apanhados na guerra colonial e que pouco têm a ver com aquilo.

Na primeira, um alferes pisa inadvertidamente uma mina e ali fica, imóvel, à espera que venham os das minas e armadilhas. Na segunda história, um alferes engenheiro é encarregado de levar os projectos para uma cavalariça a construir numa Unidade de Cavalaria e aí conhece um médico, um padre, um coronel e a mulher deste. Na terceira, um alferes ferido por uma granada, é transferido de Timor para Portugal e, na viagem, conhece um major reformado que lhe conta uma história tenebrosa.

As histórias são curiosas e divertidas e Mário de Carvalho conta-as de um modo simples e acessível e, no entanto, com uma riqueza de vocabulário que não é habitual encontrar-se.

De facto, a nossa língua é muito mais rica do que, por vezes, parece e Mário de Carvalho prova isso mesmo.

Acrescente-se que as histórias são, de certeza, verdadeiras, porque muito credíveis e as personagens que as habitam devem mesmo corresponder a pessoas reais – ou Mário de Carvalho torna-as reais.

Por exemplo, o coronel da segunda história diz:

«Eu já adverti o nosso major: se acontece alguma coisa aos meus cavalos por causa do vosso desleixo, armo para aí um sarrabulho que até manda ventarolas.»

E pouca gente sabe o que quer dizer “mandar ventarolas”!

Eu sei e Mário de Carvalho também, de certeza!

Cavaquismos

Os jovens portugueses devem participar em “missões e causas essenciais ao futuro do país”, com “a mesma coragem, o mesmo desprendimento e mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar”.

Ora aqui está uma coisa que António Oliveira Salazar poderia ter dito, se continuasse vivo.

Mas não foi ele, foi Cavaco Silva, nas comemorações dos 50 anos da guerra do Ultramar.

Salazar e Cavaco – a mesma luta!

Aliás, dentro de alguns anos, estaremos a aturar o Cavaco tantos anos quantos aturámos o Botas…

Então o Presidente pensa que, nos anos 60, os jovens iam para a guerra com DESPRENDIMENTO?

Assim, do tipo: eu quero lá saber de emprego, carreira ou família, o que eu quero é morrer pela pátria e se morrer que se lixe, ah! que vontade de ser herói nacional e matar pretos à fartazana?!

Toma as gotas, Aníbal!