A Taroxina foi retirada do mercado

Depois de uma enorme campanha de lançamento e de ter batido o recorde de vendas em apenas duas semanas, as autoridades de saúde dos Estados Unidos e da Europa, numa iniciativa conjunta inédita, decidiram mandar retirar do mercado a droga que era apresentada como a solução para todos os males da alma.

Inicialmente designada como T23, este composto químico resultou da mudança de dois radicais da Fluoxetina, essa famosa droga, descoberta pela farmacêutica Lilly, em 1972 e lançada no mercado em 1986, com a alcunha da droga da felicidade.

O êxito da Fluoxetina, com o nome comercial Prozac, foi enorme mas, com o passar dos anos, esse êxito foi esmorecendo.

Perante uma nova vaga de depressões post-pandemia, era preciso encontrar uma nova droga e foi o que os cientistas fizeram, criando esta molécula, que designaram por T23 e que recebeu o nome químico de Taroxina, e o nome comercial de Priteza.

No entanto, bastaram duas semanas de circulação no mercado para que as agências internacionais do medicamento decidissem retirá-la do mercado.

A Taroxina era tão potente como antidepressivo, que todas as pessoas que começaram a tomá-la, ficaram com um sorriso permanente no rosto, fazendo inveja a todos os que não tomavam a droga.

Era insuportável andar na rua – agora que o uso de máscara já não é obrigatório – e ver passar pessoas sempre a sorrir, enquanto nós, preocupados com o desemprego, as moratórias, as falências, os chumbos nas escolas, a fome e a pobreza, continuávamos de cenho franzido.

Começaram tumultos um pouco por todo o lado. Nos supermercados, ninguém aturava ver os que tomavam Taroxina, sempre a sorrir, nas filas para as caixas, nas bancas da fruta, nas arcas do peixe congelado. Nas esplanadas, discussões acaloradas descambavam em pancadaria, quando deparávamos com o empregado, sempre a sorrir, mesmo quando demorava a trazer a bica. Quando víamos os telejornais, era fácil perceber quais eram os jornalistas e os comentadores que estavam a tomar Priteza, porque estavam sempre a sorrir, mesmo quando comentavam a fenomenal dívida nacional, o desmembramento da União Europeia ou a recandidatura de Donald Trump.

A pouco e pouco, a revolta dos que não tomavam o medicamento foi aumentando. Uns porque se recusavam a tomá-lo, outros porque o queriam tomar, mas não o encontravam nas farmácias.

E tudo isto, apesar dos efeitos secundários da droga. Priteza provocava alterações do trânsito intestinal, com aumento dos gases e diminuição da potência sexual e da líbido.

Esses efeitos secundários não demoviam as pessoas, que apesar de andaram sem tesão e a peidarem-se constantemente, não deixavam de sorrir.

Algumas pessoas a tomar Taroxina foram entrevistadas e diziam que se sentiam tão bem, tão felizes, que ignoravam os efeitos secundários e não podiam deixar de sorrir, mesmo nos sítios mais incómodos, como em funerais.

Uma mulher de 65 anos, contava a um repórter que o marido tinha falecido há alguns dias e que, durante o funeral, enquanto os filhos, cunhados e restante família, chorava, ela sorriu durante o tempo todo.

Outro entrevistado, um homem de 54 anos, dizia que tinha tido um enfarto e que durante o trajecto de ambulância para o hospital, e durante todo o cateterismo, esteve sempre a sorrir.

Por tudo isto, as agências do medicamento não tiveram outro remédio senão proibir este remédio.

Há quem diga, no entanto, que a Taroxina continua a ser fabricada clandestinamente e vendida, em exclusivo, aos emires do Dubai e dos Emiratos, bem como aos CEO da Apple, Google, Facebook e Amazon.

Mas deve ser mentira…

Uma depressão chamada Laura

Agora as depressões têm nome.

Os serviços meteorológicos de Portugal, Espanha e França, decidiram dar nome às depressões, como já se faz há muito tempo com os ciclones e tufões, e mesmo com os bebés…

Assim, no princípio do ano faz-se uma lista, por ordem alfabética, alternando um nome feminino com um masculino.

Para 2019 ficou assim: Adrian, Beatriz, Carlos, Diana, Etienne, Flora, Gabriel, Helena, Isaias, Julia, Kyllian, Laura, Miguel, Nicole, Oscar, Patricia, Roberto, Sara, Teo, Vanessa e Walid.

Em primeiro lugar, acho mal não haver tempestades Quevedo, Ursula, Yuri e Zacarias.

Depois, espanta-me que os nomes que estão mais in não estejam representados, caso de Gonçalo, Carlota, Rodrigo, Mateus, Constança, sei lá!…

Neste momento, estamos à espera da Laura. Trata-se de uma depressão centrada a noroeste da Península Ibérica e em deslocamento para nordeste em direcção às Ilhas Britânicas. Espera-se vento forte e agitação marítima, há possibilidade de chuva intensa e persistente, com perigo de cheias.

Portanto, na minha opinião, estes fenómenos atmosféricos não se deviam chamar depressões.

Associamos depressão a um estado mais ou menos letárgico, em que a adinamia toma conta do corpo, só apetecendo estar quietinho, a um canto, esperando que a crise passe.

Ora, ventos fortes, chuva intensa, ondas enormes, árvores a cair, ruas alagadas, é agitação demais para uma depressão.

É por isso que o nome correcto para estes fenómenos deveria ser crises de pânico.

Assim sendo, tenham cuidado que vem aí a crise de pânico Laura!

“A Mãe”, de Rodrigo Leão

maeDisco triste, depressivo, para ouvir apenas quando se está equilibrado psicologicamente.

Um tipo que esteja em baixo, ao ouvir, por exemplo, Ana Vieira a cantar o tema “Vida tão estranha” e a lamentar-se “já nem chorar me dá consolo”, é muito capaz de deixar o cd a rolar e atirar-se do sexto andar.

No panorama da música popular portuguesa, Rodrigo Leão é único, quer pelo tipo de música que faz, quer pela seriedade da produção, quer pela busca dos colaboradores, neste caso, o Cinema Ensemble, a Sinfonietta de Lisboa e mais.

Além disso, e como não sabe cantar, pede a ajuda de quem sabe e, neste disco, tem a voz de Ana Vieira, de Stuart Staples (dos Thindersticks), de Neil Hannon (dos Divine Comedy) e de Daniel Melingo.

Destaco as faixas “Vida tão Estranha”, “Ya Skaju Tebe”, “A Corda”, “Canciones Negras” e “No sè nada”, mas todo o disco, dedicado à mãe do compositor, recentemente falecida, merece ser escutado com atenção.

“Broken Flowers”, de Jim Jarmusch

Um “pequeno” filme muito curioso, que ganhou o Grande Prémio de Cannes, em 2005.

Don Johnston fez fortuna na área dos computadores e está retirado e deprimido, sozinho no seu grande casarão. Teve fama de Don Juan mas a sua última namorada abandonou-o e ele está sem energia para sequer se levantar do sofá da sala.

É então que recebe uma carta anónima; uma antiga namorada revela-lhe que, 19 anos antes, teve um filho dele. O rapaz só agora soube quem era o pai e anda à procura dele.

Don mostra a carta ao seu vizinho, que tem a mania que é detective privado e que lhe propõe que faça uma lista das namoradas que teve, 20 anos atrás. Don acede, contrariado. Não lhe apetece fazer nada – nem sequer conhecer um filho que não sabia que existia, mas acaba por fazer a tal lista, da qual constam 5 nomes de antigas namoradas.

O vizinho de Don, como bom detective amador, faz-lhe um dossier para cada uma das namoradas, compra-lhe bilhetes de avião, reserva-lhe quartos em hotéis e prepara-lhe um itinerário completo, de modo a que Don vá visitar cada uma das namoradas, tentando, assim, perceber qual delas é a mãe do seu filho.

O resto do filme mostra-nos o encontro de Don com cada uma dessas namoradas; e cada um desses encontros é uma nova surpresa.

Bill Murray faz um bom Don Johnston, ao jeito do personagem do “Lost in Translation”. Com aquela cara de deprimido permanente, Murray só tem que “act naturaly”.

“Broken Flowers”, espantosamente traduzido para “Flores Partidas”, é uma agradável surpresa.