Bom dia, Sr. Manuel Acácio: quanto à física quântica…

Todos os dias, de segunda a sexta, a rádio TSF ocupa duas horas da sua programação, das 10 ao meio-dia, com um Fórum, onde o jornalista Manuel Acácio atende telefonemas de ouvintes sobre os mais diversos temas, desde as transferências no futebol, ao aumento do número de casos de covid 19.

Tenho o cuidado de não ouvir o programa, mas, por vezes, sem querer, tenho o rádio ligado e oiço o Sr. Monteiro, taxista, que nos liga em viagem, a dizer que o governo quer destruir o tecido empresarial português com este aumento de impostos, ou o Sr. Galhardo, reformado, que nos liga de Santarém, a dizer que a nova legislação sobre as barrigas de aluguer é uma desgraça porque tem uma tia que gostaria de engravidar, mas está desempregada, ou ainda o Sr. Joaquim, que nos liga de Vila Pouca de Aguiar e que quer deixar o seu depoimento sobre os novos medicamentos anticancerosos, cujo preço não está regulamentado pelo governo.

Por exemplo, o Sr. Armando, comerciante de Paredes, participou no Fórum sobre fruta normalizada, adopção por casais do mesmo sexo, máquinas de radioterapia que estão fechadas há anos no Hospital de Santa Maria, e aumento do preço dos combustíveis. E isto é paradigmático. Qualquer pessoa pode ligar para o Fórum e dizer as maiores barbaridades sobre qualquer assunto e programa mais democrático não há.

As pessoas não têm o direito?

Claro que têm!

Mas isso é informação?

Duvido.

Mas gostaria de ouvir o Sr. Armando, comerciante de Paredes, dizer qual a sua opinião sobre a radiação de corpo negro, no âmbito da física quântica e o que o governo devia fazer quanto a isso.

Lugares comuns

Para mim, o Pedro Abrunhosa não me diz nada. Acho pateta aquela encenação da cabeça rapada e os óculos escuros e acho que o tipo já tem idade para ter juízo. Achei-lhe alguma graça, lá por volta de 1995, quando era preciso ter calma e ele não dava o corpo pela alma, mas foi mais à custa do americano do saxofone. Daí para cá, uma vulgaridade.

Acontece que a TSF tem uma obsessão pelo Abrunhosa e pelo Jorge Palma, algo que não se percebe. Ou é doença dos locutores de continuidade ou há explicações mais prosaicas. Enfim… o que acontece é que tenho o rádio que está por cima da sanita sintonizado para a TSF. É lá que oiço as notícias das 7 da manhã, todas as manhãs. E, antes das notícias, é muito frequente levar com o Palma ou o Abrunhosa.

Estou-me a cagar para ambos, literalmente, mas irrita-me a vulgaridade armada ao pingarelho…

Explico melhor:

Tinha eu cerca de 14 anos quando os meus pais me ofereceram uma guitarra. Adolescente com guitarra e que aprenda meia dúzia de acordes, começa logo a compor canções. É dos livros. Então, eu compus uma canção intitulada “Vou”, apenas com três acordes, o mi, o ré e o lá, tudo em tom maior, claro.

Orgulhoso, decidi mostrar essa minha canção num jantar familiar. Uma das estrofes da cantiga dizia: “sozinho pela estrada/ com os bolsos cheios de nada/vou…”

Aí, o meu tio Xico, que era jornalista no Mundo Desportivo, zombou: “com os bolsos cheios de nada? que parvoíce é essa? se estão cheios, não podem ter nada…”

Eu ainda pensei em explicar que aquilo era uma figura de estilo, uma coisa poética e tal, mas quem era eu para pôr em causa a sapiência de um tio, ainda por cima, jornalista?

Passaram 40 anos e oiço o Abrunhosa, na sua cantiga “Fazer o que ainda não foi feito”, a dizer que tem “uma mão cheia de nada”!

A cantiga, que também só tem três ou quatro acordes, é o cúmulo do lugar comum, quer na música, quer na letra, incluindo pérolas como “trago-te em mim, mesmo que chova no verão”, “és um mundo com mundos por dentro”, “amanhã é sempre tarde demais”, “esse teu corpo é o teu porto” e outras banalidades assim.

E a TSF, que passa tão pouca música, gasta minutos com vulgaridades destas.

Ó Abrunhosa, vê se amadureces, pá que eu, aos 14 anos, já tinha os bolsos cheios de nada!