PORTAS E JANELAS
Programa emitido a 7 Novembro 1982
Abertura
Aí vai mais um Pão Comanteiga, um programa
humilde que se ouve em todas as ondas da Rádio Comercial,
das 10 às 13.
Pão Comanteiga é um trabalho de equipa, um
esforço conjunto, um exemplo de democracia interna,
um grito de esperança, um alerta vigilante, uma sentinela
astuta.-
Pão Comanteiga – um programa filho da imaginação
de alguns génios, a saber: Bernardo Brito e Cunha,
o génio do vinil; Artur Couto e Santos, o génio
louco; Jose António Pinheiro, o génio integral,
José Duarte, o génio básico; José
Fanha, o génio ingénuo; Mário Zambujal,
o génio malandro e Carlos Cruz, o génio da
lâmpada – todos coadjuvados pela engenheira
agrónoma, Isabel Pinhão, a única génio
da equipa.
Durante 3 horas vamos dizer coisas que poderiam muito bem
não ser ditas e, provavelmente não se perderia
nada. Mas temos que dizê-las porque é para
isso que nos pagam.
Portanto, e para começar, vamos dizer seguinte:
* Uma porta que se abre para dentro e para fora, é
um importa-exporta.
* Tomar tem uma janela famosa e milhares de outras muito
úteis.
* Nas portas dos elevadores não é possível
olhar pelo buraco da fechadura.
* Uma janela com vidro martelado – parte-se.
(o que um homem faz para ganhar a vida!)
Frases
* As portas dos saloon são de vai-e-vem para permitir
a entrada fulgurante dos pistoleiros e a saída, em
voo rasante, dos bêbados.
* Ao fim de quanto tempo se cansa uma porta de correr?
* Robespierre inventou a famosa janela de guilhotina.
* Levou tantas vezes com a porta na cara que, quando tocava
à campainha, virava-se logo de costas.
* Quando uma porta faz “crr” ao abrir-se, diz-se
que se porta mal.
* Se as janelas não tivessem vidros não era
preciso abrir as janelas.
* Costuma dizer-se que quando Deus fecha uma porta, abre
logo uma janela. Será que o Senhor sofre de claustrofobia?
* Se vista é sinónimo de olho, poderá
dizer-se: “desta janela desfruta-se um olho maravilhoso”.
* Podemos assegurar que se Martim Moniz não tivesse
morrido entalado na porta do castelo de S. Jorge, morreria
de outra maneira qualquer.
* As portas, para se abrirem de par em par têm que
se quatro. Se forem só duas, só poderão
abrir-se de ímpar em ímpar.
* Quando as portas de céu se abrem não é
possível que caia, de vez em quando, algum anjinho?
* E quando estiver às portas da morte, não
bata – pode ser que ninguém dê por si...
A solteirona
A solteirona decidiu pôr-se à janela, a ver
se arranjava marido.
Convencional e sem imaginação, decidiu utilizar
o velho truque: sempre que passava um rapaz que lhe agradava
– e eram quase todos – deixava cair um lenço,
na esperança de que ele o apanhasse. O resto viria
depois.
E como passaram muitos rapazes que lhe interessavam, deixou
cair muitos lenços. Todos os lenços que possuía.
E assim passou todo o dia, debruçada da janela...
À noitinha, não tinha arranjado marido –
mas apanhara uma valente constipação.
Se marido e sem lenços, não teve outro remédio
senão assoar-se a um guardanapo.
Escuridão
A porta rangeu sobre os gonzos e abriu-se lentamente, dando
passagem a um indivíduo corpulento. Via-se que era
corpulento porque a sua sombra se projectava sobre a parede
em frente, graças à fraca luz da lua que conseguia
penetrar através das pesadas cortinas que escondiam
as janelas.
A sala estava, de facto, muito escura. Apenas se distinguiam,
a custo, as formas dos móveis e do homem –
corpulento, como já tivemos ocasião de salientar.
Homem esse que deslizava cuidadosamente por ente as trevas.
Que estaria ele a fazer? Terá remexido nas gavetas
e nas prateleiras? Terá levantado a alcatifa ou deslocado
os quadros da parede, em busca de algum esconderijo? Terá
afastado os móveis ou desfolhado os livros?
Não sabemos.
Estava mesmo muito escuro...
Quotidiano
Rocky Redlips empurrou a porta do saloon e entrou, majestosamente.
O bruá-á intenso parou subitamente e o pianista,
que tocava um rag lento e compassado, passou para um allegro
vivace, porque as mãos lhe tremiam de medo. Rocky
Redlips deu um tiro na tecla do dó, sem dó
nem piedade e o piano calou-se.
As girls que, no palco, mostravam uma boa parte das coxas,
mas não a melhor (diziam...), taparam a cara e deixaram
as coxas ao léu. Até porque a vergonha e o
medo têm-se na cara, e não nas coxas...
O dono do saloon tinha um físico a atirar para o
boi, com uma farta barriga, mas pouco farto dela. Foi o
único a único a mexer-se, aparentemente indiferente
à arrogância de Rocky Redlips, que continuava
junto à porta, de pistola fumegante em punho. E com
punhos de renda, o barman disse, arrastando a banha:
“Venha de lá um copo para este cowboy! Deve
ter a garganta seca!”
Rocky Redlips aquiesceu com a cabeça porque tinha
as mãos ocupadas com as pistolas. E o barman acrescentou:
“E para acompanhar o copo não ia uma sandes
de presunto?”
“Off course!” – exclamou o cowboy –
“Estou com uma fome que nem vejo!”
Era o que os homens queriam ouvir. Aproveitando a cegueira
alimentar de Rocky Redlips, saltaram-lhe em cima, desarmaram-no,
deram-lhe uma sova eficaz e atiraram-no pela janela fora.
As girls destaparam a cara e mantiveram as coxas à
mostra, porque os clientes gostavam e estava calor. O pianista
recuperou a calma e a tecla do dó, recomeçando
o seu rag sonolento e perturbador. O barman voltou para
trás do balcão, embora mais magro.
Foi nessa altura que Bob Smartguy entrou de rompante, fazendo
oscilar a porta do saloon. Rápido como um relâmpago,
disparou sobre a tecla do lá e lá se foi o
som do piano outra vez. As girls voltaram a tapar a cara,
mas menos, porque Bob Smartguy era um pêssego digno
de se ver. O dono do saloon saiu de trás do balcão
com maior agilidade porque estava mais magro e perguntou:
“Desculpe, mas afinal, em que parte é que entram
os índios?...”
Diálogo
A – Bom dia.
B – Bom dia.
A – Não se importa de me dizer onde fica a
porta dos lavabos?
B – Com certeza... ao fundo do corredor, à
direita, passa a porta das traseiras e está no quintal.
Aí encontrará a porta dos lavabos...
A – Muito obrigado.
(pouco depois)
B – Não me diga que não encontrou a
porta dos lavabos.
A – De facto, encontrei uma porta mas, dos lavabos,
nem sombras!
B – Ai o senhor queria os lavabos!
A – Pois claro que queria!
B – Ah bom! Os lavabos são ao fundo do corredor
à esquerda... porta é que não têm...
está no quintal...
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