Pintura
Programa emitido em 23 Janeiro 1983
Frases
* Com um pincel grosso pinta-se a dobrar.
* É mentira que Jerónimo Bosh só pintasse
velas.
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
* E dizia o ajudante nervoso: “Aproximem mais o modelo
que o Salvador Dali não vê nada!”
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
* É provável que no ano 3000 depois de Cristo
não se saiba se o grande impulsionador do cubismo
foi Picasso ou Rubik.
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
* Uma perguntinha de algibeira: uma pintura de parede,
representando um bacanal. Trata-se de uma pintura mural
ou imoral?
* Muitos modelos posam nus... mas aqueles que sabem voar,
claro.
* Será verdade que quando se zangava o pintor Abel
Manta pintava-a?
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
* E agora vem o caso daquela mulher de lábios carnudos
e grossos; tão carnudos e grossos que, para os pintar,
usava rolo.
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
* Pintou a casa à pistola. Depois tapou os buracos
com gesso.
* Aquele pintor era um alcoólico inveterado. Por
isso, nunca pintava com aguarelas – preferia sempre
as aguardentes.
* Pincel, trincha e brocha não são sinónimos,
nem tão pouco coisas semelhantes. Se tem dúvidas,
tente substituir trincha por pincel ou brocha na frase “o
cozinheiro trincha o peru”.
* Boa, boa, meu é a pintura a guachixe!
* Uma natureza morta foi, de certeza, pintada à
pistola.
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
* Que coisa estranha! Conhecemos um militar que é
pintor da construção civil!
* Quando o filhinho do pintor faz um doi-doi no dedinho,
o paizinho põe-lhe pintura de iodo...
(todas as restantes também publicada no nº
21 da Revista Pão Comanteiga, Julho 1983)
* Apesar de ter sido um dos maiores pintores de sempre,
Van Gogh só pintava telas em branco.
* Leonardo Da Vinci pintou Gioconda. A pobre senhora teve
depois um trabalhão para lavar aquela tinta toda...
* Isto é histórico: nenhum pintor estava
presente na Última Ceia. É por isso que todas
as pinturas daquela cena bíblica não passam
de reproduções de fotografias da época.
* E não se esqueça, Sr. Ouvinte, que de 2000
em 2000 quilómetros, deve mudar o óleo dos
seus quadros.
* E daqui lançamos um aviso às teen-agers:
nunca pintem os olhos com um espelho. Podem arranhar-se...
* Volta Gumerzindo: tudo perdoado! O paizinho pintou a
casa à pistola mas guardou duas balas para ti!
* Que paradoxo: pintava as naturezas mortas com cores vivas.
* Para obter reproduções féis utilize,
de preferência, o mesmo parceiro.
* “Anda cá ver a minha obra, prima!”
- exclamou Leonardo, quando terminou a Gioconda.
Daí se pense que tenham existido relações
pouco dignas entre o grande mestre e a filha do seu tio.
A pintura como hobby
Para relaxar os nervos, não há hobby como
a pintura.
Um tipo está cansado do dia de trabalho, sempre a
correr de um lado para o outro, os transportes públicos
a abarrotar, os encontrões nas ruas, o trânsito,
os telefones a tocar no emprego, o almoço em pé,
num snack a rebentar pelas costuras – uma rotina quotidiana
chata e desgastante!
Mas, finalmente, ao fim do dia, chega a casa, despe-se e
veste umas calças de ganga bem salpicadas de tinta,
uma camisa rota mas confortável e calça uns
ténis largueirões, onde os pés se sentem
bem. Depois, arreda a estante da enciclopédia, puxa
os sofás para um canto, tira as cadeiras e os biblots
mais frágeis e tem ali uma bela área, suficiente
para se entregar à pintura. Protege a alcatifa com
uma serapilheira velha e vai buscar o cavalete, a paleta,
a essência de terebentina, as telas, pincéis
de vários tamanhos e espessuras, trinchas, espátulas
e um paninho para limpar as mãos.
Depois, senta-se no chão, olhando para a tela, decidindo
o que pintar.
E adormece em segundos, morto de cansaço.
Não há como a pintura para relaxar os nervos!...
Pintor realista
1. Era um pintor realista. Gostava de ter o modelo bem ali
à sua frente e retratá-lo com fidelidade,
não esquecendo nenhum pormenor.
Por isso, ajeitou a modelo sobre a sua cama redonda e preparou
o material. Ela sorriu e pousou, lânguida.
Ele olhou-a longamente, com olhos de perito. Começou
pelos pés, observou a forma suave dos dedos, a curva
do calcanhar, as linhas finas e correctas das pernas, o
contorno algo generoso das coxas, o ventre chato e perfeito
e todas as outras coisas que aquela modelo tinha para serem
observadas.
E como era um pintor realista, naquela tarde não
pintou nada...
2. Aquele era um pintor realista. Gostava de ter o modelo
bem perto de si e retratá-lo com fidelidade, não
esquecendo nenhum pormenor.
Por isso, naquela tarde, ajeitou o modelo sobre a sua cama
redonda e preparou o material. Ele sorriu, lânguido.
Ele olhou-o longamente, com olhos de perito e – tal
como o pintor da história anterior – também
não pintou nada naquela tarde...
3. Era outro pintor realista.
Naquela tarde, decidiu pintar um leão, com todo o
pormenor.
O funeral realiza-se amanhã, para jazigo de família...
Pintura revolucionária
De noite, acercou-se do Palácio Governamental e,
nas paredes, escreveu com tinta vermelha, bem espessa:
ABAIXO A DITADURA!
Depois, olhou para a frase que acabara de pintar e achou-a
incompleta. Por isso, acrescentou:
EM CIMA A CONSERVATÓRIA DO REGISTO CRIMINAL
NA CAVE A TESOURARIA
LAVABOS, AO FUNDO, À DIREITA!
Poesia – Falta de material
Era uma vez um pintor
Que perdeu o pincel/ E, muito ralado,
Foi ao vizinho do lado/ Pedir-lhe um, emprestado.
Pincel não tenho, disse o escultor
Com ar contrafeito/ Mas pode levar escopro
Faz o mesmo efeito
O vizinho é novo/ Mas compreenderá em breve
Que, com imaginação, / O artista tudo consegue!
O pintor agradeceu/ Mas fez questão de perguntar
Como vou eu pintar
Aquela paisagem montanhosa/ Com este escopro na mão?
Simples – disse o escultor/ Pinta apenas os vales
As montanhas não
(também publicada no nº 21 da Revista Pão
Comanteiga, Julho 1983)
|