Namorados
Programa emitido em 13 Fevereiro 1983
Abertura
Pão Comanteiga – um programa humilde e diário,
que apenas se difunde aos domingos, devido a anomalias técnicas
a que somos totalmente alheios.
Artur Couto e Santos, Bernardo Brito e Cunha, Isabel Pinhão,
José António Pinheiro, José Duarte,
José Fanha, Mário Zambujal e Carlos Cruz são,
de facto, alheios a muita coisa. Não temos culpa,
por exemplo, que ontem tenha sido dia de São Gaudêncio,
que hoje se celebre o dia de Santo Eufísio e de São
Poliuto e que amanhã seja o dia de São Valentim.
Isto está tudo escrito nos calendários gregorianos,
salvo erro ou omissão. Quanto à emissão,
vai para o ar das 10 às 13, em onda média
e FM, através de todos os emissores e elipsígrafos
da Rádio Comercial.
Mas a uma coisa não somos alheios – ao amor!
Ao amor que une casais como os Silvas, os Costas, os Santos,
os Pintos, os Sousas e os Vieiras, para apenas citar meia
dúzia; a esse fogo que arde sem se ver, o que dificulta
imenso o trabalho dos bombeiros; a esse sentimento complexo
e polimorfo, capaz de provocar guerras, suicídios,
sublimes obras de arte ou mesmo tremendos bocejos!
É que – se ainda não perceberam –
amanhã, dia de São Valentim, comemora-se o
dia dos Namorados. É evidente que cada um comemora
como quiser e ninguém tem nada com isso. Mas não
podemos esquecer que Portugal é um país pioneiro
no que respeita a namorados, sendo a primeira nação
a constituir uma Ala dos Namorados, no reinado de D. João
I.
Portanto, e durante 3 horas, considerem-se nossos namorados
e venham connosco fazer coisas...
Festejos de aldeia
A típica localidade de Oliveira de Padres comemorava
o seu centenário de elevação a vila.
Largo engalanado com bandeirinhas e balões, a banda
da Colectividade, muita gente, aos magotes – o costume...
O presidente da Câmara subiu ao estrado e preparou-se
para o discurso de abertura. As pessoas fizeram silêncio.
A banda tocou os primeiros acordes do hino nacional –
mas só os primeiros acordes, porque o programa das
festividades estava já atrasadíssimo.
E o presidente começou:
“Outrora, a nossa vila...”
lá do meio da malta, o Zé Gonçalves
perguntou: “O que quer dizer outrora?”
“Antigamente...” – respondeu o presidente,
e prosseguiu: “Outrora, a nossa vila não passava
de uma pequena e singela aldeia...”
o Mário Cunha, encostado a um candeeiro público,
perguntou: “O que é isso de singela, ó
Sr. Presidente?”
Já contrariado, o presidente explicou: “Singela
quer dizer simples, bolas! Sempre a interromperem! Dizia
eu que foi graças ao esforço tenaz dos seus
habitantes...”
O Zé Gonçalves voltou à carga: “Tenaz?!
Que quer isso dizer’!”
Tentando manter a calma, o presidente respondeu: “Tenaz
quer dizer persistente, continuado, sem parar...”
“À fossanga, não é?!” –
exclamou o Mário Cunha.
“Pronto, está bem, à fossanga!”
– condescendeu o presidente, e tentou prosseguir:
“No entanto, esse trabalho tenaz, isto é, à
fossanga, dos seus habitantes, os nossos vindouros...”
“Vim quê?!” – grunhiu o Zé
Gonçalves.
Descontrolado, o presidente da Câmara atirou com os
papéis do discurso ao ar e gritou: “Acabou-se
a conversa! Vamos aos copos e às febras!”
Foi muito aplaudido e toda a gente se atirou aos comes e
bebes, servidos com esmero no adro da igreja.
Entre um golo de vinho e uma dentada no pão, o Zé
Gonçalves comentava:
“O Sr. Presidente da Câmara estava hoje muito
eloquente...”
“É verdade...” – concordava o Mário
Cunha – “...e loquaz também... Aliás,
penso que ultimamente ele tem demonstrado comportamentos
bizarros...”
“É o stress que o alto cargo que ocupa lhe
provoca, na minha modesta opinião de leigo...”
– concluiu o Zé Gonçalves, escorropichando
o copo de vinho.
(também publicado na Revista Pão Comanteiga
nº 21, Agosto 1983)
Frases
* Beijar a namorada na morada é muito mais recatado
* Tentava ser, no seu namoro, o mais casta possível.
Só ia para a cama com o namorado quando ele lhe pedia.
* Sempre que passava por aquela miúda, piscava-lhe
o olho. Naquele dia, por azar, esqueceu-se do esse.
* Quando aquela pianista começou a interpretar o
1º andamento do 2º concerto brandoburguês,
ele, sentado na 1ª fila da plateia, sentiu um Bach
no peito.
* Que chatice: sempre que via a mulher dos seus sonhos,
estava a dormir!
* Acreditava cegamente no amor à primeira vista.
* Só acreditava no amor à primeira vista;
na segunda tinha 8 dioptrias.
Como pedir namoro
Não há data melhor para pedir namoro que o
próprio dia dos Namorados. Sempre preocupado em ajudar
os nossos ouvintes, o Pão Comanteiga decidiu exemplificar
como se pode pedir namoro sem grande esforço. Os
exemplos variam conforme as circunstâncias e o tipo
de pessoa a quem se destina o pedido. De qualquer modo,
na nossa opinião, o pedido deve sempre ser feito
por escrito porque sim.
Pedido formal
Excelentíssima Menina Dona Gestrudes Violante da
Fonseca:
Eu, José Manuel Silva Rodrigues Pontes, abaixo assinado,
portador do bilhete de identidade nº 5676, emitido
pelo Arquivo de Identificação de Lisboa no
dia 7 de Dezembro de 1976, com o número de contribuinte
756584, vem por este meio solicitar a Vossa Excelência
autorização para namorar com Gertrudes Violante
da Fonseca.
Juntam-se fotocópias autenticadas do Registo Criminal,
Boletim de Vacinas, Certidão de Nascimento Narrativa
Completa e Certificado de Robustez Física e Ausência
de Doenças Venéreas.
Pedido informal
Ó Gertrudes: queres namorar comigo?
Pedido autoritário
Gertrudes:
Ficas informada, a partir desta data que, ou começas
a namorar comigo ou levas uma sova tal que, depois, não
arranjas namorado de certeza.
Pedido com suborno
Gertrudinhas:
Estive a pensar melhor no nosso caso e, depois de muito
meditar, decidi que não me importaria nada de te
oferecer o meu andar na Reboleira que, como sabes, se encontra
totalmente mobilado e equipado com electrodomésticos
– isto no caso de quereres namorar comigo...
Pedido chantagista
Querida Gertrudes:
Sei que és uma boa filha e que gostas imenso do teu
pai. Reparei, por mero acaso, que o teu paizinho faz sempre
o mesmo caminho quando vai para o escritório. E quando
volta para casa, vem por aquela azinhaga muito escura, para
cortar caminho.
Portanto, se não queres que aconteça nada
ao teu paizinho querido, começas a namorar comigo
imediatamente, certo?
Pedido militar
Menina Gertrudes:
Posso eventualmente concordar que a minha estratégia
não tem sido a mais adequada e que o cerco nem sempre
leva à rendição dos sitiados. Portanto,
optei por uma solução de armistício.
Caso esteja de acordo, queira fazer o obséquio de
abrir a sua porta de armas porque sinto um enorme desejo
de assentar praça no seu quartel.
Mera provocação
Finalmente tinha-se decidido. Farta daquele jogo de escondidas,
ia pedir licença à mãe e pronto!
A mãe tricotava umas botinhas de lã, sentada
no sofá da sala. Já experimentara deitada,
mas estava constantemente a enfiar a agulha no olho.
Retorcendo as mãos e com um suor frio a percorrer-lhe
a espinha toda, ela aproximou-se e perguntou:
“Mãe... eu queria pedir-lhe licença
para namorar com o António...”
A mãe pousou o tricot sobre o regaço, olhou-a
bem nos olhos durante alguns segundos, que lhe pareceram
anos porque nunca aprendera a ver as horas, e respondeu:
“Está bem... o António é bom
rapaz...”
“Oh mãe! Obrigado!” – exclamou
ela, muito contentinha.
“Mas nada de poucas vergonhas!...” – obtemperou
logo a mãe.
“Esteja descansada, mamã... prometo que eu
e o António nos vamos portar bem!” –
disse a menina, cada vez mais contentinha, e acrescentou:
“Vou já dar a boa nova ao António e,
de caminho, passo pela farmácia para comprar a pílula...”
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