INSECTOS
Programa emitido a 24 de Outubro 1981
Abertura
Com o objectivo de insectivar a cultura de todos os portugueses,
o Pão Comanteiga de hoje é eminentemente cultural.
Das 10 às 13, ou das 13 às 10, para quem insectiva
em sentido contrário, vamos falar de insectos durante
três horas – essa maravilhosa espécie
animal, que inclui seres tão belos como a mosca e
a pulga, tão úteis ao homem, como a melga
e a formiga, para já não falar no gracioso
piolho, na elegante aranha e no simpático mosquito.
Foram longas horas de estudo, mergulhados no mundo maravilhoso
das larvas, das crisálidas e dos casulos, tentando
perceber a imensidão do universo dos insectos.
Fizeram este programa, com toda a dedicação
e amor à Ciência: Artur Piolho e Santos, Bernardo
Grilo e Cunha, Eduarda Centopeia, Joaquim Formigado, José
Moscarte, José GaFanhaoto, Mário Zangãojal
e Carraça Cruz.
Tentámos descobrir, por exemplo, por que razão
as formigas andam sempre atrás umas das outras e
descobrimos que as primeiras formigas nasceram na Índia,
habituando-se, desde logo, a deslocarem-se em fila indiana.
Descobrimos, também, por que razão as borboletas
andam sempre à volta das lâmpadas acesas. E
é porque, com as lâmpadas apagadas, elas não
viam nada.
Estudámos com atenção e cuidado o piolho,
ou o 3,14-vista, para os cientistas, insecto parasita muito
útil ao homem. Foi graças ao piolho que se
inventaram os pentes-caça-piolhos, os champôs
contra os piolhos, e é ainda graças aos piolhos
que a Direcção Geral da Saúde vai divulgando
alguns comunicados. Ácerca dos piolhos, correm as
mais variadas lêndeas, sendo as mais conhecidas, as
famosas Lêndeas e Narrativas.
Ficámos espantados com a utilidade da maior parte
dos insectos. A mosca, utilizada no fabrico da noz moscada
e celebrizada no grande romance “Os Três Moscateiros”;
a abelha, cujos ferrões são utilizados num
método terapêutico de origem chinesa –
a apicunpunctura; a melga que, após destilação
adequada, nos fornece as saudáveis águas de
Melgaço; as térmitas, que tanto ajudam o homem
na demolição de edifícios degradados;
a carraça, óptima para febres; o besouro,
muito utilizado no fabrico de campainhas; as mosca tsé-tsé,
excelente nas insónias, etc, etc.
Descobrimos, também, que a mosca tem mais olhos que
barriga – oito e uma, respectivamente; que a centopeia
leva a vida com uma perna às costas com a mesma facilidade
com que a aranha tece uma teia sem se enredar nela.
Venha connosco ao mundo dos insectos. As despesas são
por nossa conta!
Insectofobia
(história escrita em 1981, muito depois da Metamorfose
de Kafka, mas 8 anos do filme “The Fly”, de
Cronenberg)
Detestava insectos. Sentia nojo quando via uma aranha balançando
acrobaticamente na sua teia. As moscas irritavam-no –
sempre a esvoaçar, pousando aqui e ali, sorvendo
com aquela trombinha horrível, migalhas quase invisíveis.
Achava as formigas estúpidas, sempre encarreiradas,
a entrar e a sair do formigueiro, invadindo-lhe o açucareiro,
a comida, o caixote do lixo. Quanto ás melgas, adorava
esmagá-las com a chinela, antes de se deitar –
mas a linfa que babava daquele corpinho esmagado, tirava-lhe
o sono. As borboletas eram, para ele, umas tontas, voando
estupidamente nos jardins, sem nenhum objectivo aparente.
As baratas causavam-lhe repugnância e proibira até
os seus filhos de aprender a história da carochinha.
E era assim que ele vivia, com um ódio permanente
pelos insectos. Mas quanto mais os odiava, mais eles lhe
invadiam a casa. Tapou buracos, calafetou janelas, aplicou
insecticida em locais estratégicos, mas as moscas,
as formigas, as baratas, pareciam rir-se dele, multiplicando-se
rapidamente, invadindo tudo.
Decidiu então mudar-se para o 8º andar de um
prédio novo, pensando que o betão e a altitude,
afugentariam os insectos. A mulher protestou – detestava
as alturas, tinha vertigens. Mas não teve outro remédio
senão segui-lo.
Mas o 8º andar não foi uma barreira intransponível
para aquelas horas de bichinhos execráveis que, em
breve, cirandavam por todo o lado.
Desesperado, armou-se de toda a sorte de insecticidas, em
aerossol, em pó, em pasta, em líquido, mata
moscas, bisnagas com produtos tóxicos, martelos,
matracas, pediu licença sem vencimento e dedicou-se,
de corpo e alma, à tarefa heróica de destruir
todos os insectos. A razia começou e, alguns dias
depois, a mulher e os filhos abandonavam-no.
Ele não ligou importância. “Traidores!”,
pensou. Aquilo, para ele, era uma cruzada. Era preciso acabar
com os insectos! Todos!
No entanto, gradualmente, foi vendo como a sua tarefa era
inglória. Os bichinhos continuavam a surgir de todos
os lados e, paradoxalmente, pareciam aumentar de número,
ganhar resistência e vitalidade.
Exausto, sentou-se no sofá e pôs-se a olhar
fixamente para as moscas que o sobrevoavam, ignorando-o.
Pensando bem... pensando bem... os bichinhos até
nem eram feios: pequeninos, bem proporcionados, quatro asinhas,
antenas, uma trombinha muito eficaz, olhos multifacetados,
e eram até capazes de se reproduzir em voo acelerado.
E ali ficou, sentado, meditando, observando as moscas, como
que hipnotizado pelo seu voo.
E a metamorfose foi-se operando lentamente: a pele começou
a tornar-se quitinosa, as asas nasceram e cresceram e tudo
o resto aconteceu conforme o previsto.
Hoje é uma das moscas mais felizes daquele 8º
andar, que continua devoluto.
Frases
* As doenças transmitidas pelos insectos são
as doenças inscto-contagiosas.
(também publicada na Revista Pão Comanteiga
nº7,dezembro 1981)
* “Eu vi! Eu vi! Foi aquele sapo que engoliu a mosca!”
– gritou a libélula.
Trata-se de um caso evidente de libélula acusatória.
* “Então, que tal?” – perguntou
o zangão à abelhinha.
“Ai querido! Foi o fim da picada!”
(também publicada na Revista Pão Comanteiga
nº7,dezembro 1981)
* Um insecto inseguro é um incerto.
* Sabia que uma só mosca é capaz de por cerca
de 3 mil ovos?
Daí que as moscas sejam mais que as mães.
* E agora um conselho a todos os construtores civis: mantenha
a traça dos seus edifícios – não
junte naftalina ao cimento.
* Um insecto alcoólico é, por exemplo, o
percerveja. Hic!
* Como insecto parasita do homem, o piolho, por vezes,
é chato!
* Abelhuda é uma abelha que mete o ferrão
onde não é chamada.
* Uma cigarra que anda com muitos cigarros, acaba com uma
overdose de nicotina.
* O canto da cigarra é nos campos. O canto do cigarro
é na boca.
* A vespa é uma abelha motorizada.
* Era uma pulga com tanto azar que só picava anémicos.
* A diferença entre aranha e aranhiço é...isso...
Diálogo
A – Ó sócio! Sabes quem é o Luis?
B – Sei...é aquele tipo com pernas de gafanhoto.
A – Esse mesmo. Sabes que se casou com a Lurdes?
B – Ah sim? Uma autêntica formiga, essa... sempre
a trabalhar...
A – É verdade... e que me dizes ao Anselmo?
B – Esse tipo é uma carraça –
nas nos larga a labita nem um segundo!
A – E do jacinto? Que achas tu do Jacinto?
B – Uma borboleta, filho... uma borboleta!
A – Mas da Rita tu gostas...
B – Não propriamente... acho que é uma
boa dona de casa, sempre a correr de um lado para o outro,
como se fosse uma abelhinha...
A – E do Jorge – que pensas tu dele?
B – Esse é um puto!... uma formiga com catarro!
A – Mas tu comparas toda a gente com insectos!
B – É verdade, meu grande chato!
Lenga-lenga
Bitoque tapete/ batoque tampão
Batata tocata/ batota patrão
Não! Patarata pote/ sapato pateta
Patareco porta/ pachola chupeta
Mas batuta carpete/ bitola panela
Biruta rapado/ recruta piela?
Não! Patati patata/ Patuá patanisca
Paleta paletó/ odaleia odalisca
Mas bolota pinto/ baliza perdiz
Pancada topete/ borbulha nariz
Não! Gago galheta/ Cano canhoto
Aranha mosquito/ gafanhoto!
|