ELSA CEDOFEITA
Programa emitido em 27 de Março 1983
Pequenas frases – grandes
feitos
* Sempre muito cuidadosa, Elsa Cedofeita desinfectava os
alimentos com álcool, antes de os cozinhar.
* O médico ergueu os olhos da secretária
e disse, preocupado: “Amanhã temos que mandar
fazer um clister opaco...”
“Mas porquê, doutor?” – espantou-se
Elsa Cedofeita – “Quem se queixa dos intestinos
é o Valdomiro... O Paco tem uma pneumonia...”
* Apesar de virgem militante, Elsa Cedofeita não
se importa de dar injecções intramusculares
a homens. Mas nádega de abusos!...
Lapso
Misturar hobby com trabalho trás sempre cunfusões.
Um empregado dos correios que seja filatelista, pode acabar
por ser acusado de roubar selos. Um motorista profissional,
doido por pistas de automóveis, pode muito bem estampar-se.
Um bombeiro que coleccione caixas de fósforos pode
ter que apagar um incêndio na sua própria casa.
Era o que acontecia, por vezes, com Elsa Cedofeita. O seu
hobby: a cozinha; o seu trabalho: a enfermagem.
Por isso, naquela manhã, Elsa Cedofeita entrou na
sala de operações e começou a pôr
a mesa: copos, pratos e talheres para seis pessoas. Preparava-se
para ir buscar os guardanapos quando o cirurgião
entrou.
A enfermeira perguntou, distraída:
- Que temos para hoje, doutor?
- Um rim... – respondeu o médico, colocando
a máscara.
Cedofeita mostrou o seu espanto e exclamou:
- Um rim, doutor?!... para seis pessoas?!...
Nem aos primos
Elsa Cedofeita vivia só num Lar para senhoras que
viviam sós naquele Lar.
No entanto, a enfermeira tinha uma família numerosa:
os pais, cerca de dez irmãos, vários tios,
primos diversos, incontáveis sobrinhos, alguns afilhados
e ainda uma avó, por parte da mãe.
Por isso, todos os dias, quando regressava do trabalho,
dedicava-se à tarefa de abrir o correio da família.
Eram cinco ou seis cartas por dia, a que Elsa Cedofeita
respondia prontamente porque gostava de ter a sua correspondência
em dia.
Naquele fim de tarde chegou uma carta de um primo muito
afastado, oriundo da Austrália, pelo menos. Pedia,
encarecidamente, que Elsa Cedofeita o fosse visitar à
cama. Sentia-se só e deprimido.
Virgem militante, a enfermeira sentiu-se chocada com aquela
proposta desonesta. Mas... enfim, era um primo, apesar de
afastado, e Elsa prezava muito a família.
Foi ter com o primo à cama.
Ele estava no Hospital Ortopédico, com uma perna
partida e um braço praticamente.
Cedofeita, profissional exemplar, fez-lhe o penso, escrevinhou
o seu autógrafo no gesso e ia a sair do quarto quando
Godofredo Gaia – o primo afastado – exclamou:
- Ó prima, que frieza!... Nem um beijinho na testa,
nem uma festinha no gesso, nem uma massagem nas minhas espáduas
doloridas! Parece que não sou para si mais que um
mero doente neste imenso hospital!...
Elsa Cedofeita organizou os seus traços fisionómicos
de modo a que lhe dessem um ar distante e respondeu:
- Na minha profissão não há filhos
e enteados, doentes melhores ou piores. Para mim, você
não passa de mais um número, primo!
O dia a dia de uma enfermeira
chamada Elsa
Toda a gente sabe que o dia a dia de uma enfermeira é
um constante vai-vem. No entanto, há sempre um mas
que, no caso de Elsa Cedofeita, era a cozinha.
Com efeito, a mulher que hoje decidimos dar a conhecer ao
grande público, era absolutamente tarada por cozinha
e todas as suas escassas horas livres eram ocupadas pela
confecção dos mais variados pitéus,
acepipes, iguarias e outras coisas que habitualmente servem
para comer.
Até aqui, tudo bem.
Todos nós temos os nosso fracos e, embora se diga
que dos fracos não reza a história, pretendemos
que da história de Elsa Cedofeita rezem todos os
factos, incluindo seu fraco por cozinha.
É que, por vezes – e isso era lamentável
– a sra. Enfermeira misturava esse seu gosto muito
pessoal com a profissão.
Certa manhã, o dr. Rodrigo Valongo, irrompeu pelo
gabinete de enfermagem, com ar furibundo:
A – Ó sra. Enfermeira!gritou ele com os olhos
em alvo.
B – Diga doutor – murmurou a enfermeira Elsa,
aqui retractada de maneira brilhante por José Duarte,
eu próprio, o verdadeiro, o de origem.
A – O que fez a sra. Enfermeira ao doente da cama
26? perguntou o dr. Rodrigo Valongo que, como já
notaram, utiliza a inconfundível voz de Carlos Cruz,
eu mesmo, o único, patente registada, reprodução
proibida.
B – Ao doente da cama 26... ao doente da cama 26...
– disse a enfermeira, tentando recordar-se –
Ao doente da cama 26, fiz-lhe um refugado!
A – Um refugado?!
B – Exactamente, doutor!... piquei salsa e cebola
para um tachinho e levei ao lume; depois peguei na carne...
A – Qual carne?!...
B – A da perna, obviamente! Não me diga que
o doutor não sabia que a melhor carne para refugados
é a da perna!
A – O médico esbugalhou os olhos um pouco mais
e deixou cair as lentes de contacto – A senhora enfermeira
cozinha os doentes?!
B – Que disparate, doutor! A esses ponho-os em vinha
de alhos durante 24 horas e depois faço um assadinho
no forno... – respondeu Elsa Cedofeita, com água
na boca.
A – Bom... embora me pareça que há uma
pequena dessincronização na nossa conversa,
o que é certo é que a sra. Enfermeira me fez
crescer o apetite... E se experimentássemos o doente
da cama 30, ein?... que diz?...
B – Francamente, doutor... não misture cozinha
com trabalho... o doente da cama 30 continua com soro e
ainda não pode alimentar-se por via oral... Aliás,
ia agora mesmo dar-lhe o laxante – disse Elsa Cedofeita,
enquanto ajeitava uma ruga na bata.
A – Não precisa de laxantes! – ripostou
o médico, metendo o estetoscópio nos ouvidos,
para ouvir melhor – Eu queria era comer um desses
refugados ou assados que a sra. Enfermeira tão bem
sabe fazer...
B – E eu não me importaria nada que o dr. Rodrigo
os provasse, mas veja o doentinho da cama 5...
A – Que tem ele?
B – Mal se pode ter de pé, coitadinho!...
A – Mas a senhora não os costuma assar deitados?
B – Depende da opinião do fisioterapeuta...
se ele acha que os doentes estão prontos para a reabilitação,
juntam-se 250 gramas de margarina, 300 gramas de farinha,
uma pitada de sal e pimenta, um dente de alho...
A – Ó sra. Enfermeira! Por favor, tenha pena
de mim, que não como nada desde de manhã e
deixe de misturar cozinha com doentes! – exclamou
o dr. Rodrigo Valongo, cruzando uma perna; já tinha
experimentado cruzar as duas, mas depois tinha grande dificuldade
em andar com as mãos.
B – Eu não estava a misturar coisa nenhuma!
– disse, ofendida, Elsa Cedofeita, enquanto preparava
uma seringa enorme, própria para doenças familiares.
A – Sra. Enfermeira: o doente da cama 19 pede a arrastadeira,
com carácter de urgência! – disse uma
empregada.
B – Esse doente é um maganão! –
exclamou outra empregada, mas mais baixa.
A – Tem razão... não precisa de arrastadeira
nenhuma! Pode muito bem ir a pé! – disse Elsa
Cedofeita que, a partir deste momento, tem a rara felicidade
de passar a ser interpretada pela insubstituível
voz de Carlos Cruz, eu próprio, original, bem colocada,
dicção inconfundível.
B – Já agora... desculpe a interrupção,
mas agradecia só mais um esclarecimento... –
disse o dr. Rodrigo Valongo, eminente clínico que
nunca pensou ter a felicidade de ser retratado aos microfones
da Rádio Comercial pela voz profunda e calma de José
Duarte, eu mesmo, insofismável, indelével,
inenarrável!...
A – Diga doutor... que o preocupa agora?
B – Os rissóis de camarão – como
os faz? Mesmo com camarão?
A – Raramente, caro doutor...
B – Então o que põe?
A – Uma pomada contra os eczemas...
B – E resulta?
A – Se resulta!... A comichão passa quase instantaneamente!...
B – Nesse caso, ponha um pouco dessa pomada no doente
da cama 43... – disse o dr. Rodrigo Valongo, preparando-se
para partir a cadeira, sentando-se.
A – Nem pensar!... Para esse doente, nada melhor que
um pudim flan!...
E, brandindo uma colher de sobremesa na mão direita,
Elsa Cedofeita começou a preparar os antibióticos
para o jantar da noite.
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