CORES
Programa emitido em 14 Novembro 2003
Abertura
Como dizia Modigliani “há tempo para tudo”.
Mesmo que às vezes não pareça, acrescentamos
nós...
Pois os ouvintes habituais sabem que o Pão Comanteiga
é um programa transmitido todos os domingos, entre
as 10 e as 13, dos dois lados da Rádio Comercial.
E os ouvintes habituais sabem, também que, da equipa
que inventam este programa, fazem parte nomes ilustres como
os de (seguem-se os nomes dos colaboradores).
Mas... e os outros ouvintes?... Suponhamos – embora
isso pareça absurdo – que, neste momento, determinado
indivíduo da espécie humana está a
ouvir, pela primeira vez – imagine-se! – o Pão
Comanteiga.
Como dizia o nosso ministro da Administração
Interna, num discurso que proferiu recentemente: “É
possível”...
Portanto, é especialmente para esses indivíduos
que, neste momento mágico, entram pela primeira vez
em contacto connosco, que dedicamos os parágrafos
que se seguem.
Afinal – o que é o Pão Comanteiga? Quais
os seus objectivos? Já fez a barba esta manhã?
Gosta de pudim de baunilha?
Poderíamos responder, como Aristóteles fez
um dia, quando o chamavam para jantar: “Já
vou!”
Mas vamos mais longe... Veneza é, sem dúvida,
uma cidade linda, mas tem muita água. O próprio
Botticelli – homem muito dado a romantismos e verdadeiro
fanático de epistemologia – o próprio
Vivaldi, dizíamos, costumava cantarolar enquanto
se penteava. E isso não impediu Darwin de descobrir
o mistério da encarnação, na pessoa
de seu pai que, não sendo alcoólico, nunca
recusava um bom electrocardiograma.
Por isso, a nossa determinação é a
mesma de Napoleão, Robespierre, Bismak, Bobby Ewing,
Fontes Pereira de Melo, Emille Zola, ou mesmo Fialho Gouveia.
Neste aspecto, estamos com Humberto Coelho quando afirmava,
a dado passo: “passa a bola que estou desmarcado!”
Essa a razão de ser desta equipa, a centelha que
anima a chama da labareda. Poderemos mesmo estar de acordo
com o poeta Chiado, ao afirmar, a pés juntos: “o
mundo é pequeno, mas tem a dimensão exacta.”
(também publicado na Revista Pão Comanteiga,
nº17, Fevereiro 1983)
Colaboração especial
Para o programa de hoje, a equipa do Pão Comanteiga
decidiu rodear-se de algumas personalidades bem conhecidas
da vida pública nacional e estrangeira.
Portanto, para além dos elementos que constituem
esta perigosa quadrilha, contámos, nesta semana que
dedicamos às cores, com a colaboração
(quiçá involuntária!) das seguintes
personalidades: João de Freitas Branco, Cesário
Verde, Graham Greene, Camilo Castelo Branco, Branquinho
da Fonseca, os Moody Blues, o pessoal menor da Casa Branca,
Almada Negreiros, Robert Redford, Vanessa Redgrave, Giueseppi
Verdi, James Brown, Rosa Mota e Rosa Luxemburgo.
Os nosso agradecimentos muito especiais à simpática
tribo dos Blackfeet e às populações
de Castelo Branco, da freguesia da Encarnação,
de Vila Verde de Ficalho, de Castro Verde e da Lagoa Azul.
Frases
* O sangue azul não presta para transfusões.
* Recordamos que as cores da bandeira nacional continuam
a ser o azul e o branco.
Falávamos da Inglaterra, claro...
* “Estão verdes – não prestam!”
– é uma citação de La Fontaine
ou um insulto aos ecologistas?
* Ela tinha uma pele tão branca, tão branca
que, quando alguém lhe atirava um piropo, ela corava
e perguntavam-lhe: “ que tens tu que estás
tão pálida?”
* No Japão, os médicos vêem-se aflitos
para diagnosticar a icterícia.
* É preciso respeitar os cabelos brancos; eles são
o prenúncio da gravata preta.
* A cor da laranja é o cor de laranja.
Não pensem que isto é assim tão simples
porque nem sempre a cor da rosa é o cor de rosa.
Alilás, a castanha, continuando castanha, pode estar
verde...
* Os médicos, os barbeiros e as enfermeiras costumam
andar de bata branca. As outras pessoas costumam andar com
os pés.
* Alô! Alô! Governo da África do Sul!
Anda por aí toda a gente a dizer que o futuro é
negro!
* E quando ela lhe perguntou se ele ainda usava pó
de talco, corou tanto que ficou vermelho que nem os homónimos.
* As frases seguintes são para os nossos ouvintes
poliglotas:
- Pão Comanteiga está “noire”
aos domingos.
- In Red China who is really ready to read the red book?
- Alright: the right words to write “white wine”
are “white wine”.
- The Green Witch has a liver disease.
- I’ll n’est pas dificile de boire du vin vert
par un verre vert
- Paul est un jeune jaune pâle.
Esquecimento
Vestiu uma camisa vermelha, colocou uma gravata amarelo-canário,
completou com um casaco azul-turquesa e calçou uns
sapatos verde-alface.
Na rua, reparou que todos se riam dele.
Voltou a casa e mudou de roupa: uma camisa amarelo-ovo,
uma gravata azul-celeste, um casaco verde-azeitona e uns
sapatos vermelhos.
Na rua, reparou que todos se riam dele.
Voltou a casa e decidiu ser convencional: camisa branca,
gravata azul escuro, casaco e sapatos pretos.
Na rua, reparou que todos se riam dele.
Só então viu que se esquecera sempre das calças...
Governo multicolor
O 1º ministro abriu a porta da sala de reuniões
e olhou para os seus ministros, sentados em redor da mesa,
prontos para mais uma sessão do executivo.
Os seus olhos percorreram lentamente cada um daqueles homens.
O ministro das Finanças, pálido, branco como
a cal das paredes, após longas noites passadas em
claro, fazendo contas sempre erradas.
O ministro da Educação, sempre metido consigo
próprio, calado, reservado – um homem cinzento,
enfim.
O ministro do Interior, vermelho de ira, após ter
deixado escapar mais duas insurrecções.
O ministro da Agricultura, de pele esverdeada porque sofria
do fígado.
O ministro do Trabalho, de rosto azulado, após ter
embatido violentamente nos punhos de um sindicalista exaltado.
O ministro dos Estrangeiros, de tez acastanhada, após
uma estadia prolongada nas praias do sul, em visita de trabalho.
Aquele 1º ministro podia ser acusado de tudo, menos
de falta de pluralismo. De facto, do seu governo faziam
parte todas as cores políticas...
Esperteza de cowboy
Toda a gente em Toothbrush City sabia que Rocky Redlips
tinha um cavalo castanho – o fogoso Brownshoe.
Por isso, ficaram admirados quando o vaqueiro entrou na
cidade montando um cavalo branco.
“Que aconteceu ao teu cavalo?”
“Roubaram-me o Brownshoe!” – rosnou Rocky
Redlips – “Mas hei-de encontrá-lo! O
meu cavalo relincha sempre que alguém lhe espeta
um alfinete na garupa! É uma questão de paciência
e havemos de encontrá-lo!”
E logo ali se organizou um grupo munido de alfinetes, que
passou Toothbrush a pente fino, picando as garupas de todos
os cavalos castanhos.
Foi assim que Rocky Redlips se transformou no maior criador
de cavalos castanhos da região...
As cores – um pouco de história
O mundo nem sempre foi colorido...
Temos dados e emprestados que nos permitem afirmar a vista
de que, no princípio, o mundo era a preto e branco.
Montes brancos, vales brancos, árvores brancas, rochedos
pretos, homens brancos, mulheres pretas, ursos brancos,
rios pretos – um descolorido total, uma tristeza,
uma angústia permanente ou esferográfica.
As mulheres chateavam-se porque não coravam, os homens
cortavam-se e o sangue era branco, a Primavera chegava e
a relva era preta, nada tinha Graça, poucos tinham
Madalena, alguns Gertrudes. Era um mundo chato.
Até que Cristóvão Colombo provou que
ele era Redondo, concelho do distrito de Évora. E
a conselho de Rembrandt, Tintoretto e Da Vinci - conhecidos
pelo trio de Odemira, concelho do distrito de Beja –
os homens começaram a experimentar a invenção
das cores. A princípio foi difícil porque
só havia o verbo, e ninguém sabia qual era.
Mas aos poucos o branco se foi rosando, o preto se foi acinzentando,
o rosado se foi avermelhando, o cinzento se foi acastanhando,
o vermelho se foi alaranjando, o castanho se foi azulando,
o laranja se foi arroxeando, o azul se foi amarelando e
assim por diante.
Estavam inventadas as cores e, simultaneamente, as coristas
– meninas prendadas que exibiam as cores e as coxas
nos coretos.
Desde então, foi a rebaldaria geral. O mundo, ávido
e ansioso, procurava a cor por todo o lado. O sol quis o
amarelo, a terra o castanho, o mar o azul, o sangue o vermelho.
Foi então que surgiu o Lavoisier – mais que
um génio, um verdadeiro oxigénio. Nada adiantou
para a história das cores. Só muito mais tarde,
já a noite caíra com estrondo, já os
bárbaros haviam invadido o Império Romano,
já Pinamanique inventara os sanitários, quando
João Nunes, morador na Rua das Pretas visitou, pela
primeira vez, o Museu das Janelas Verdes.
A cor dominava, definitivamente, a vida do homem. Depois
foi um corrupio de progressos incontáveis: o sarampo,
a laranjada, as moedas com verdete, a música negra,
os sindicatos amarelos, o Benfica, a magia negra e o caldo
verde.
(também publicado na Revista Pão Comanteiga,
nº22, Outubro 1983)
Diálogo-1
A – Boa tarde.
B – Boa tarde.
A – Tem dos amarelos?
B – De que tamanho?
A – Do tamanho destes verdes.
B – Desse tamanho só tenho em roxo.
A –Roxos não me importava, se fossem um pouco
mais pequenos...
B – Mais pequenos só se for em cor de rosa.
A – Cor de rosa não aprecio; já tive
uns e acabei por trocá-los por castanhos, embora
um pouco maiores.
B – Talvez do tamanho destes pretos, não?
A – Mais ou menos... ou talvez não... ora deixe-me
ver... não – eram mais do tamanho daqueles
brancos...
B – Refere-se aos cremes, certamente – são
os únicos que tenho...
A – Esse tamanho agrada-me... se tivesse em amarelo...
B – Tenho muita pena mas, em amarelo, só do
tamanho daqueles ali, dos azul-turquesa.
A – O azul-turquesa não fica bem com os verde-alface
que tenho lá em casa.
B – Isso depende do tamanho, claro...
A – Evidentemente, mas os verde-alface que tenho lá
em casa são mais ou menos desses cor-de-laranja aí,
mesmo ao lado dos azuis.
B – De facto, não liga bem... mas talvez lhe
agradem estes cinzentos...
A – Não são feios, quanto custam?
B – Cinco das verdes.
A – A vida está negra...
B – E vai piorar...
Diálogo-2
A – Então, de que se queixa?
B – Sr. Dr... passa-se algo de estranho comigo...
Há 3 dias, estava eu a pintar uma estante de aparite
que eu próprio fiz quando, sem querer, coloquei a
ponta do pincel no umbigo e desci por ali abaixo até
ao joelho.
A – E que lhe aconteceu?
B – Fiquei com uma faixa amarela desde o umbigo até
ao joelho, Sr. Dr... Tem de me ajudar!
A – O seu caso é deveras interessante... mas
creio ser de fácil resolução.
B – Oxalá...
A – Pois o senhor vai comprar tinta vermelha, molha
o pincel e percorre com ele essa zona que indicou. Vai ver
que a mancha amarela desaparece...
B – Obrigado, Dr...
(alguns dias depois)
A – Novamente por cá? Então o que há,
desta vez? Não me diga que o meu tratamento não
resultou...
B – Em cheio, Dr.! Só que... mal desapareceu
a mancha amarela, surgiu uma outra vermelha...
A – Oh diabo!
B – É verdade! E exactamente com a mesma configuração
e localização da anterior, ou seja, uma faixa
vermelha desde o umbigo ao joelho. Que hei-de fazer, Dr.?
A – Bom... não entremos em pânico! O
senhor vai comprar uma lata de tinta verde e procede da
maneira que lhe indiquei, isto é, com o pincel molhado,
percorre a faixa vermelha, de cima a baixo.
B – Oxalá dê resultado...
(um pouco mais tarde)
A – Ai, ai! Cá está o senhor outra vez!
Então que foi agora?
B – Uma mancha verde, Dr.! Uma mancha verde no sítio
onde tinha a mancha vermelha, que já fora amarela!
A – Não há dúvida que o seu caso
merece figurar nos anais da medicina! Há que consultar
um especialista!
B – E que especialista me aconselha, Dr.?
A – A si não aconselho coisa nenhuma! Eu é
que preciso de um especialista urgentemente!
B – Já percebi! O Dr. Está com receio
de ficar louco por causa desta história das manchas
de tinta!
A – Acertou em cheio, meu caro amigo! Estou farto
de pintar os pés com tinta amarela e não há
meio de eles ficarem azuis! Isto só a mim!
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