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O Coiso
O melhor do meu Pão Comanteiga

AR

Programa emitido a 26 de Dezembro 1982

Abertura
No ar, Pão Comanteiga – um programa humilde e airoso, aéreo e valente, bastante.
Todos os domingos, excepto aos sábados, em todas as ondas da Rádio Comercial (que também são só duas...), no espaço aéreo compreendido entre as 10 e as 13, ocupamos os seus ouvidos com as nossas baforadas. Somos, por rigorosa ordem alfabética, para evitar pruridos e eczemas: fulanos de tal.
Vamos hoje debruçarmo-nos sobre problemas tão diversos como este e aquele, , não esquecendo aquilo e sublinhando sobretudo isto.
Pão Comanteiga – um programa que consegue dizer nada com uma única palavra: nada.
Hoje, depois das prendas de Natal terem sido trocadas, com grande profusão de beijinhos e desejos de felicidades e, enquanto você se refaz da despesona que fez em mais uma consoada (ou consolada, conforme), vai ficar na caminha, no vale de lençóis, quentinho, aconchegadinho, muito juntinhos e – numa prova de amor – vão ouvir o nosso programa muito sossegadinhos. Atenção aos nossos conselhos, tomem nota das novidades que revelamos e obedeçam cegamente às nossas ordens. A primeira ordem é simples e fácil de cumprir: fique deitado, esteja calado, feche os olhos, mas não durma – oiça!
O Pão Comanteiga de hoje é especialmente dedicado à singela cidade de Buenos Aires, a todas as linhas aéreas do mundo e, em particular, às hospedeiras do ar que, neste momento, sobrevoando o Pacífico ou o Conflituoso, nos ouvem a bordo dos seus aparelhos. E cuidado com as correntes de ar!

O ar existe?
Os antigos tinham um grande cagaço do vazio.
Não podiam conceber que, para além da atmosfera terrestre, não existisse nada. Absolutamente nada. Vai daí, inventaram o éter, que era uma coisa mal definida mas que servia para não haver vazio e também para tirar adesivos das pernas sem arrancar muitos pêlos.
Poeticamente, éter e ar são sinónimos. Daí que a Rádio Comercial possua, na sua nova grelha, um programa de Herman José, “A Flor do Éter” (publicidade gratuita) –título que, no fundo, significa que o autor pensa que é o melhor desta estação emissora. Poderia chamar-se, por exemplo, “A Jóia do Clorofórmio”, “O Diamante da Terebentina”, ou mesmo “A Safira da Aguarrás”. Mas, como éter e ar são tomados como sinónimos, e as ondas hertzianas se transmitem através do ar, compreende-se aquele título.
De qualquer modo, nem sempre os sinónimos se podem utilizar indiscriminadamente. Com efeito, não fica bem dizer: “vou ali tomar uma lufada de éter fresco”. Ou ainda: “aquele tipo ali ao fundo tem éter de parvo”. Ou ainda: “pois a minha tia lá se foi... foi um éter que lhe deu...”
Aliás, e ao fim e ao cabo, o que é o ar?
Dizem que, sem ar, não podemos respirar. E sem nariz? E sem boca? E sem pulmões? O ar existirá mesmo ou não passará de uma invenção dos cientistas, para manterem o povo em respeito? O ar existirá mesmo ou não será senão um pretexto para os ecologistas organizarem manifestações contra a poluição do ar?
O ar palpa-se, sente-se, cheira-se, lambe-se, toca-se, belisca-se, chupa-se, mordisca-se, afaga-se, esmurra-se, beija-se, absorve-se?
Parece que não!
Nesse caso, declaro solenemente que o ar não existe!
(Ai!... que falta de ar!...)

A invenção do ar
Nos primeiros tempos, os homens desconheciam a existência do ar. Viviam de boca fechada e, entre o polegar e o indicador da mão direita, apertavam o nariz. Essa razão pela qual os homens primitivos eram roxos.
Certo dia, por volta de 3 milhões de anos antes de Arquimedes, numa cálida tarde Outono, um homem chamado Bronstein ou Silva, foi picado numa nádega por uma abelha. Apalermado com a dor, Bronstein ou Silva levou a mão direita à nádega, ao mesmo tempo que abria a boca para gritar. Desde logo sentiu que algo lhe penetrara na cavidade bocal e nas narinas.
Tinha descoberto o ar.
E como se sentiu bastante bem, Bronstein ou Silva deixou-se estar de boca aberta e narinas destapadas e, em breve, adquiriu uma cor rosada, que fez inveja a todos os restantes membros da tribo, que permaneciam roxos.
Reuniu-se logo um Conselho. Bronstein ou Silva contou a sua experiência e outro membro do Conselho, por sinal um membro muito viril, de nome Vladivostock ou Cunha (a História tem sempre as suas imprecisões), ofereceu-se como voluntário para ensaiar a experiência de Bronstein ou Silva. Abriu primeiro a boca, aspirou e disse que era bom. Depois, tirou o polegar e o indicador da mão direita do nariz, inspirou e disse que era melhor. Estava a respirar. Todos os membros do Conselho decidiram seguir o exemplo de Bronstein ou Silva e de Vladivostock ou Cunha – ficando todos com um lindo tom cor de rosa.
Logo perceberam que tinham descoberto algo de muito importante para o Homem.
“Sapato!” – sugeriu um troglodita de nome Dummont ou Ferraz.
Ninguém gostou da proposta.
“Fogo!” – berrou Woodlarge ou Quim.
“Isso virá depois... dá tempo ao tempo...” – profetizou o chefe do clã.
Foi então que Vladivostock ou Cunha, que continuava a respirar com uma certa regularidade, se ergueu e começou por dizer:
“Estamos a passar o dia a argumentar, a falar, a barafustar, sem a nenhuma conclusão chegar, o tempo a passar, a fome a aumentar, o jantar a esfriar...”
“Ar!” – gritou alguém – “Ar!”
foi aprovado por unanimidade – chamar-se-ia ar.
Desde então, o homem nunca mais deixou de respirar.
A persistência define a espécie humana!
(também publicado na revista nº 18 – Abril 1983)

Frases
* O ar distingue-se da AR pela pronúncia.

* Se conhece alguém com ar de parvo, pode ajudá-lo a ver-se livre desse problema. É fácil.
Feche o parvo numa sala muito pequenina, sem janelas nem ventiladores e, passados alguns minutos, o parvo começará a ficar com falta de ar.
Poderá continuar parvo, mas ficará, pelo menos, sem o ar...

* E quando a polícia, para dispersar a manifestação, desatou a disparar para o ar, um manifestante caiu morto no chão.
Foi então que o polícia comentou, admirado: “não sabia que havia manifestantes tão altos!”

* Farto da vida que levava, decidiu mudar de ares – passou a respirar gás butano.

* Para construir castelos no ar é essencial que as betoneiras tenham asas.

* Brisa é uma ligeira aragem que se faz sentir entre Lisboa e Aveiras de Cima.

* Era um piloto tão aéreo que era frequente levantar voo sem avião.

Coisas do ar
Há por aí muita gente que, mesmo sem sofrer de asma, corre grave perigo, no que respeita à sua integridade e identidade, se lhe faltar o ar.
É o caso dos Armindos, Armandos, Arnaldos e Artures. Para já não falar nos artistas, armadores, artesãos, argonautas, arcebispos e por aí fora.
Por outro lado, se se grita pela Armanda, corre-se o risco de apanhar com uma baforada vinda da dita.
Recorde-se, também que, sem ar, um arquitecto seria apenas um quitecto. Seria um descalabro. Pensem, só por momentos, no quitecto Ribeiro Telles.
Sem ar teríamos, por exemplo, o cebispo de Beja, o quipélago dos Açores, os jogos seriam orientados por bitos, Buenos Aires seria a capital da Gentina.
Acrescente-se, finalmente, que um Mário com Ar, fica muito mais móvel...

Um pequeno engano do médico
Lewis Davidson era um optimista. Para ele, tudo acabava sempre bem, mesmo que os acontecimentos indicassem o contrário.
Certo dia, ao chegar ao seu acampamento de explorador, encontrou o seu amigo deitado, com um ar terrível, ardendo em febre.
“Eh pá! Estás com ar de doente!” – exclamou Lewis Davidson, dando uma palmadinha no ombro de Gregory.
“Estou doente, pois... o médico diagnosticou-me papeira, malária, varicela, cólica biliar, obstipação, provável espasmo do esófago, miocardite, esferocitose, sifílis, tuberculose intestinal, amigdalite e cárie dentária!... Deu-me 25 minutos de vida!... e tudo por causa dessa tua mania de mudar de ares e de vir para a porcaria desta selva!” – disse Gregory num murmúrio, mesmo assim vigoroso, para quem ia morrer dentro de 23 minutos.
“Não desesperes, homem!... Os médicos são uns exagerados!... Concordo que este ar da selva te está a fazer mal. Hoje mesmo vamos apanhar o avião para a Arábia Saudita! O clima far-te-á bem!” – disse Lewis Davidson, o optimista.
Gregory não protestou. Estava sem forças.
E pouco tempo depois, já os dois amigos seguiam no avião para a Arábia Saudita. Davidson exultante com as maravilhas dos ares – Gregory enterrado na cadeira, respirando com dificuldade.
Quando o avião aterrou, Gregory murmurou: “Estou a morrer, Lewis...”
Davidson riu-se alto e respondeu-lhe com uma piscadela de olho: “Eu não te dizia que os médicos eram uns exagerados!... Deu-te 25 minutos de vida e já passaram mais de 6 horas!”
E Davidson deu uma cotovelada no cadáver de Gregory...
(também publicado na revista nº 18 – Abril 1983)

 

 

 

 

Actualizado em: 20 Dezembro 2003
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