“Chamadas Telefónicas”, de Roberto Bolaí±o (1997)

Bolaí±o (Santiago do Chile, 1953-Barcelona, 2003) escreveu febrilmente, como dizem as suas biografias e a maior parte da sua obra viu a luz do dia após a sua morte.

Esta colectânea de contos, no entanto, foi publicada em vida, em 1997 e é mais uma prova de que Bolaí±o era um grande contador de histórias.

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O livro está dividido em três partes: Chamadas Telefónicas e Detectives, cada uma com cinco contos e A Vida de Anne Moore, com quatro.

O conto que encerre o livro conta-nos a história dessa tal Anne Moore e podia ser um argumento para um filme, ou um romance, ou uma série de contos, tal o número de acontecimentos que marcaram a vida de Anne. Sobretudo esta história fez-me lembrar alguns livros do Henry Miller. Aconselho.

Outras obras de Roberto Bola^no: Os Detectives Selvagens; 2666

“Crimes Exemplares”, de Max Aub (1956/2001)

Max Aub nasceu em França em 1903, mas mudou-se para Valência aos 11 anos, adquirindo a nacionalidade espanhola. Quando Franco subiu ao poder, exilou-se no México, onde morreu em 1971.

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Em 1956 publicou este Crimes Exemplares, um livro que colecciona confissões de assassinos, com um toque de humor negro.

Em 1981, o livro ganhou o Grande Prémio do Humor Negro, em Paris.

Em 2001, em Espanha, foi publicada esta versão do livro, com mais de 30 ilustrações.

A edição portuguesa, da Antígona, saiu no ano passado. É um livro muito bonito, de capa dura, impresso em papel offset de 140 gramas.

Por vezes, as histórias, são tão curtas que apenas têm uma frase, como esta:

– Matei-a porque me doía o estí´mago

Ou esta:

– Matei-a porque lhe doía o estí´mago

Outras, têm meia dúzia de linhas:

Terminara o meu trabalho, não julguem que foi fácil: oito dias para passar a limpo aquele projecto. No dia seguinte de manhã seriam os exames semestrais. E aquele cretino chega, para encher a sua caneta no meu frasco de tinta-da-china, e deixa-o cair em cima do meu projecto… Foi instintivo, espetei-lhe o compasso no estí´mago.

Ou ainda esta:

Matei-o porque me doía a cabeça. E ele veio falar-me, sem descanso, de coisas para que eu me estava absolutamente nas tintas. É a verdade, embora elas talvez me tivessem podido interessar. Antes de o fazer, olhei, ostensivamente, seis vezes para o relógio; ele não ligou nenhuma. Creio que é uma atenuante que deve ser seriamente levada em conta.

Um livro diferente e, repito, muito bonito.

“Anos de Chumbo e Outros Contos”, de Chico Buarque (2021)

Aqui está um livrinho para terminar o ano de 2021 em beleza; são apenas oito contos, mas encheram-me as medidas.

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Chico Buarque já nos tinha habituado há décadas í s grandes canções e aos respectivos versos que as enriquecem. Em boa hora decidiu dedicar-se í  escrita de uma prosa mais consistente e os seus livros têm sido todos muito recomendáveis.

Este Anos de Chumbo, sendo um livro de contos, é um pouco mais ligeiro que os romances que escreveu; são histórias bem-dispostas e com um humor cínico de que sou fã.

Recomendo vivamente.

Outros livros de Chico Buarque: “O Irmão Alemão”; Essa Gente; Caravanas; Leite Derramado

“Não Mais Amores”, de Javier Marias (2012)

Javier Marias (Madrid, 1951) reuniu neste volume todos os seus contos.

Diz o próprio que “…o que aqui se oferece acabe por ser a totalidade aceite e aceitável da minha contribuição para o género. Tenho poucas dúvidas de que, a ser assim, o dito género não perderá grande coisa”.

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O autor sofrerá de falsa modéstia.

Para ser sincero, os contos de Javier Marias não me entusiasmaram.

Um tradutor metido em sarilhos durante a rodagem de um filme com Elvis Presley podia ser um bom princípio para um conto. Uma mulher que lê para um fantasma, também. Uma aspirante a actriz porno í  espera de conhecer o seu companheiro no filme, idem. Tudo boas ideias, mas que, depois, se perdem, penso eu, num emaranhado de frases complexas.

“Sete Casas Vazias”, de Samanta Schweblin (2015)

Nascida em Buenos Aires, em 1978, Samanta Schweblin é considerada uma das melhores escritoras em língua espanhola, das gerações mais jovens e dizem ser seguidora do realismo mágico de Julio Cortazar.

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Não há dúvida que Samanta S. escreve muito bem e que as suas histórias têm uma mistura de realismo com alguma loucura.

Na melhor destas sete histórias, Lola, uma velha que quer morrer, mas não consegue, vai juntando roupas e objectos pessoais em caixas, que guarda na garagem, ao mesmo tempo que alimenta uma guerra surda contra o marido e desconfia da nova vizinha do lado e do seu filho.

Noutra história, um recém-divorciado visita os dois filhos, que vivem com a ex-mulher e o seu novo companheiro; leva, nessa visita, os seus pais que, por razões que desconhecemos, andam aos pulos no quintal, todos nus.

Na última história, a narradora é uma criança que, nesse dia, faz 8 anos; a sua irmã, de 3 anos, bebe lixívia e os pais, aflitos, pegam nas duas filhas, metem-se no carro e seguem para o hospital. Como o trânsito está entupido, o pai pede í  mais velha que tire as cuecas, que são brancas, e ele vai acenando com elas, para assinalar a emergência.

Histórias curiosas e uma escrita que nos prende.

“A Lotaria e Outras Histórias”, de Shirley Jackson (1948)

Shirley Jackson (1916-1965) viveu apenas 49 anos mas é considerada uma das mais influentes escritoras norte-americanas, herdeira do gótico americano, iniciado por Edgar Alan Poe.

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O conto “A Lotaria”, publicado em 1949 no The New Yorker, provocou grande celeuma e alguns leitores pensaram que ele relatava algo de real, e cancelaram a assinatura da revista. Há que ler o conto para perceber porquê.

Tirando este conto, que faz mesmo lembrar Poe, os restantes 24 contos são, no mínimo, curiosos. Obviamente datados, retratam famílias em que as mulheres estão em casa, a cozinhar ou bordar ou em outras tarefas domésticas e, em que os homens estão ausentes, porque trabalham.

Em alguns dos contos, as mulheres são jovens que vivem sozinhas em Nova Iorque, vindas da província, e estão com dificuldade em viver na grande cidade.

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Toda a gente fuma, claro – a própria escritora era uma grande fumadora.

Vale a pena ler.

Edição da Cavalo de Ferro, tradução de Rita Carvalho e Guerra

“A Mais Nova Profissão do Mundo”, de Alface (2006)

—Alface era o pseudónimo do escritor José Alfacinha da Silva, nascido em Montemor-o-Novo em 1949 e falecido, por AVC súbito, em 2007.

Este livrinho de contos estava esquecido numa das minhas prateleiras e desencantei-o há pouco tempo, quando fizemos uma grande limpeza na biblioteca.

—Trata-se de um livro um pouco irregular, que junta contos muito bem esgalhados, como o de abertura, Pombinhos, e toda a série de textos curtos sob as designações Narrativas e Lugares, com outros textos menos conseguidos e alguns mesmo um pouco enfadonhos.

De qualquer modo, diverti-me bastante ao lê-lo.

“Sessenta Contos”, de Dino Buzzati (1958)

—Dino Buzzatti (1906-1972), foi autor italiano cujos contos foram muito saudados, ganhando, com eles, o prémio Strega.

Os contos misturam uma espécie de realidade absurda com uma visão fantástica e muitos deles são alegorias ou parábolas que, embora datadas (a edição é de 1958), continuam a ser muito actuais (nem todas, sejamos realistas…)

Gostei particularmente dos contos Sete Andares, O Cão que Viu Deus, Não Esperavam Outra Coisa e O Burguês Enfeitiçado.

Tirando dois ou três contos mais longos, todas as restantes narrativas não ocupam mais do que duas ou três páginas.

Vale a pena ler, em pequenas doses (digamos, dois ou três contos por dia…)

“A Vida é um Tango”, de Cristina Norton (2018)

—Cristina Norton nasceu na Argentina em 1948, mas vive em Portugal há 30 anos. Autora de romances, livros infantis e livros de contos, publicou este ano este A Vida é um Tango, uma colectânea de histórias mais ou menos trágico-cómicas.

As histórias são todas muito acessíveis e a autora conta-as de modo muito simples, o que não é um defeito, na minha opinião.

No entanto, a qualidade das histórias é um pouco irregular: algumas são bem esgalhadas, outras são fraquinhas, outras ainda têm um desfecho que se pretende surpreendente, mas que, no entanto, se desconfia logo desde o início.

Em resumo, um livro despreocupado, excelente para ler em voz alta.

“O Amor de uma Boa Mulher”, de Alice Munro (1998)

Depois de ter lido O Progresso do Amor, avancei para mais um livro de contos desta escritora canadiana, Prémio Nobel de 2013.

—São mais oito contos muito descritivos, com personagens sempre muito bem caracterizadas, desde as roupas que usam aos traços fisionómicos. Mesmo os personagens secundários são minuciosamente descritos e ficamos sempre a saber as suas profissões e como usam o cabelo.

Cada uma destas histórias poderia ser desenvolvida e transformar-se num romance, mas a autora, pelos vistos, prefere este tipo de textos, já que publicou doze colectâneas de contos.

Uma leitura agradável, embora pouco estimulante.