Os jornalistas passaram de conferentes a entendedores

Aqui há uns tempos era frequente os jornalistas da rádio e da televisão, dizerem coisas como estas:

* “Vamos agora conferir como decorreu a reunião de hoje do Conselho de ministros”.

* “Hoje foi mais um dia de greve dos trabalhadores da Transtejo; junto do representante do sindicato, o nosso repórter vai conferir a adesão à paralisação…”

Portanto, os jornalistas conferiam. Eram conferentes.

Mas os tempos mudaram e agora, ouvimos os mesmos jornalistas a dizerem:

* Vamos agora tentar perceber como decorreu a reunião de hoje do Conselho de ministros”.

* “Hoje foi mais um dia de greve dos trabalhadores da Transtejo; junto do representante do sindicato, o nosso repórter vai tentar perceber a adesão a esta greve”

Ou seja: os jornalistas da rádio e televisão, deixaram de ser conferentes, para passaram a ser entendedores.

E para entenderem melhor o que se passa passaram a ter a ajuda permanente dos comentadores.

Todos os canais de televisão têm os seus comentadores para questões relacionadas com a guerra, a inflação, a corrupção, os casos dos tribunais, o futebol, as crises políticas, as alterações climáticas e tudo e tudo.

Quer isto dizer que, afinal, os jornalistas não entenderam nada e precisam dos comentadores para perceberem o que se passa.

Por isso, mesmo que confiram e tentem perceber o que se passou na reunião de hoje do Conselho de ministros, precisam da ajuda de um comentador para compreenderem mesmo o que se passou.

Há qualquer coisa no curso de comunicação social que está a falhar…

“HIstórias Bizarras”, de Olga Tokarczuk (2008)

A Cavalo de Ferro continua a publicação desta escritora polaca, vencedora do Prémio Nobel em 2019.

Como o nome indica, este livro, editado já há 14 anos, contém um conjunto de histórias estranhas.

Como diz a contracapa: “um médico escocês do século XVII, ao serviço do rei da Polónia, descobre uma estranha raça de crianças verdes. Uma família de quatro mulheres idênticas, que se podem ligar e desligar, vê a sua rotina ser perturbada pelo aparecimento de dois vizinhos. Um mundo onde impera o uso do metal mantém a sua ordem graças ao sacrifício de um misterioso semideus com mais de trezentos anos. Uma mãe deixa uma estranha herança de vários frascos de conserva ao aseu filho preguiçoso”.

São, de facto, histórias bizarras, umas mais bem conseguidas do que outras.

Apesar de serem histórias em que impera o lirismo próprio de Tokarczuck, prefiro os seus romances.

Outros livros de OPlga Tokarczuk: “Casa do Dia, Casa de Noite“; Outrora e Outros Tempos; Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos; Viagens;

O Coiso e a tradutora dos livros de Olga Tokarczuk

Deparei-me com este simpático comentário no Coiso:

“Sou a tradutora de Olga Tokarczuk e queria felicitá-lo pelas publicações que tem feito sobre os livros da escritora polaca. Espero que nunca deixe de o fazer. Saiu no Expresso um artigo meu onde menciono o seu blogue – uma forma de reconhecimento pelo seu trabalho. Parabéns!”

A Revista do Expresso estava ainda à espera de ser lida, mas fui logo buscá-la e encontrei um texto escrito pela tradutora Teresa Fernandes Swiatkiewicz, onde ela refere:

“A boa recepção de Olga Tokarczuk em Portugal pode ser analisada à luz do conceito de fidelidade, porque entre os agentes do processo. editor, tradutor e leitor – se desenvolveu um relacionamento profícuo, manifesto no facto de os livros da escritora nobelizada serem simultaneamente best-sellers e long-sellers, bem como no facto de terem surgido no ciberespaço blogues literários (por exemplo, “Palavras Sublinhadas” e “O Coiso – aqui desde 1999”) que dissertam sobre os seus sucessivos livros, elogiando o carácter inovador da sua estrutura narrativa, a escrita fluida repleta de passagens memoráveis e pensamentos aforísticos, as personagens inesquecíveis e os enredos imaginativos, bem como a imprevisibilidade do desenrolar dos acontecimentos.”

Teresa Fernandes traduz os livros de Tokarczuk do polaco para português e percebe-se, pelo que diz neste texto, que o faz com prazer porque, também ela, deve ser (é certamente) uma fã da escritora polaca.

Quanto ao facto de O Coiso ser um blogue literário, não diria tanto… limito-me a escrever meia dúzia de opiniões sobre os livros que vou lendo.

O estranho caso da hóstia diabólica

Marcelo Rebelo de Sousa anda numa roda viva e o saltitar dos fusos horários estão a dar-lhe cabo dos nervos.

Foi o funeral do Eduardo dos Santos em Luanda e o da rainha Isabel, em Londres, foi o périplo pela Califórnia e o stress do jogo de beisebol, foram os tapetes de Arraiolos em Malta e a missa em Nicósia.

À chegada a Lisboa, os jornalistas perguntaram-lhe qual era o seu comentário aos mais de 400 casos de abuso sexual de menores por parte de senhores eclesiásticos.

Marcelo disse que até nem era um número particularmente levado.

Quantas criancinhas teriam de ser abusadas para que o presidente considerasse o número aceitável?

Na minha opinião, a culpa foi da hóstia cipriota, que devia estar possuída pelo demónio e assim turvou o pensamento do nosso querido presidente.

O Exército prefere militares sujos?

Uma noticia de hoje deixou-me perplexo:

“Seis militares com processos disciplinares por se filmarem a tomar banho em panelas”

A notícia explica que seis militares do Regimento dos Comandos são objecto de processos disciplinares depois de terem sido divulgadas imagens em que eles se mostram “a tomar banho dentro de grandes panelas da cozinha militar do quartel de Belas”.

E fiquei perplexo porque não percebi bem a coisa.

Parece que os militares são alvo de processos disciplinares por se terem filmado – concluindo-se que, se tivessem tomado banho nas panelas, mas não se tivessem filmado, a coisa passava. Ou ainda, se se tivessem filmado, mas não tivessem divulgado as filmagens, ainda vá que não vá…

Agora, tomar banho nas panelas, filmar e divulgar, é que não.

No entanto, convém perguntar: por que razão os militares decidiram tomar banho nas panelas da cozinha? Não terá sido por falta de banheiras como deve ser? Os duches dos quartéis não serão incómodos, antiquados, demasiado sobrepovoados?

É que numa panela daquelas, mesmo muito grande, só cabe um militar, enquanto nos duches comunitários da tropa, é tudo ao molho.

Incómodo, sem dúvida…

Vi as imagens na televisão.

Os militares estão sorridentes, obviamente felizes e limpos!

Processos disciplinares para quem se quer lavar? Acho mal…

Expresso – Liberdade para pensar torto

O título da primeira página do Expresso de hoje grita:

“Governo chumba nos primeiros seis meses”

E, por baixo deste título:

“Executivo passa do céu ao inferno e recebe pior avaliação em três anos; Medina à frente de Pedro Nuno na sucessão no PS; Almirante Gouveia e Melo é o preferido para Presidente”

Esta manchete é reproduzida nas revistas de imprensa de todos os canais televisivos de notícias e citada nos boletins noticiosos das rádios. É a força do Expresso.

A referida manchete tem uma chamada para a página 8.

Abrimos o jornal na página 8 e, consultando os diversos gráficos que resultam da sondagem do ICS/ISCTE, chegamos às seguintes conclusões:

– se as eleições fossem repetidas agora, o PS continuava a ganhar com 37% dos votos, contra os 28% do PSD

– os partidos do centro-esquerda (PS, BE e PCP), teriam 45% dos votos, enquanto os da direita e extrema-direita (PSD, Chega e IL), teriam 42%

– a diferença entre os que acham que a actuação do governo é má ou muito má e os que acham que é boa ou muito boa, é apenas de 7%

– Gouveia e Melo é, de facto, a personalidade com mais possibilidade de ser eleito Presidente (4,7 pontos em 10), mas é seguido de perto por António Costa, o líder do tal governo que passa do céu ao inferno, com 4,4 pontos em 10.

Parabéns a Francisco Balsemão e ao liberal-reacionário João Vieira Pereira: que merda de jornal detêm e dirigem!

“Oh William!”, de Elizabeth Strout (2021)

De Elizabeth Strout, tinha lido o excelente “Olivia Kitteridge”, livro com o qual venceu o Pullitzer.

Neste “Oh William”, Strout retoma uma sua personagem, a escritora Lucy Barton que, num tom coloquial, nos conta alguns episódios da sua vida e do seu relacionamento com um dos seus ex-maridos, William, que descobre que, afinal, tem uma meia irmã, de quem a sua mãe nunca lhe falou.

O livro tem uma estrutura narrativa contínua, isto é, não está dividido em capítulos, mas em pequenos textos em que a narradora, Lucy, nos vai contando o que se passa, como se estivesse sentada na nossa sala.

Fiquei com muita curiosidade em conhecer os restantes livros desta escritora.

God bury the queen!

Não há meio de enterrarem a senhora, caramba!

Desde que a rainha morreu, já lá vão cinco dias, que as televisões não largam o osso! Longas e intermináveis reportagens sobre o protocolo London Bridge preenchem os telejornais e os repórteres, de vestido negro, elas, de gravata preta, eles, com ar compungido, descrevem-nos, ao pormenor, o dito protocolo.

Ficamos a saber a que horas o corpo da rainha sai de um lado e vai para outro, a que horas o novo rei calça os sapatos e aperta o nó da gravata, quantos dias vai ficar o féretro – sim, o féretro, porque a realiza vai num féretro, enquanto a malta vai num caixão – quantos dias o féretro vai ficar exposto para que os súbditos possam ir prestar a sua vassalagem, e mais uma série de pintelhices, como se eu precisasse de saber essas coisas, como se eu fosse alguma vez olhar para um caixão, ainda por cima de uma rainha, ainda por cima estrangeira!

Claro que eu posso sempre desligar a televisão, mas o hábito é antigo; desde pequenino que vejo telejornais…

A saloiice das televisões tem sido manifesta, o espanto dos repórteres é evidente, os apresentadores salivam-se e ainda faltam mais cinco dias para isto tudo terminar.

Será a altura de alterar um pouco o hino e gritar God bury the queen!

Please!

Quando a esmola é muita…

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia e ainda a política de covid zero na China, levou a uma inflação na Europa de 9%, a maior nos últimos 30 e tal anos.

Os governos têm desenvolvido medidas para tentar minimizar os efeitos da inflação.

Há dois dias, foi a vez do governo português.

Entre outras coisas, vai dar, a cada português que ganhe menos de 2700 euros por mês, um cheque de 125 euros e mais 50 euros por cada filho.

Quanto aos pensionistas, dá-lhes metade da pensão já no próximo mês e, em janeiro, aumenta-lhes a pensão em 4 e picos %.

Os pobres desconfiaram logo…

Para que é que querem 125 euros? Serve para quê?

Ao preço a que está o gasóleo, nem dá para ir ao Porto ver o sítio onde estava o coração do D. Pedro!

E só 50 euros por cada filho? Nem dá para comprar uma mochila como deve ser para o novo ano escolar!

E os pensionistas? Deviam ser aumentados, em janeiro, cerca de 8%, segundo a fórmula inventada pelo Vieira da Silva. Assim, recebem meia pensão agora em outubro, gastam-na toda em raspadinhas e, em janeiro, só são aumentados 4%.

Que roubalheira!

A descida do iva da electricidade para 6% também é outra medida pequenina. Quem tem a electricidade a 6%? Só a malta que usa petromax!

O nosso segundo ministro, Rebelo de Sousa, disse que as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro Costa, eram equilibradas e pirou-se para o Brasil para contar a vida de D. Pedro ao Bolsonaro em vinte minutos.

Que saudades do Passos Coelho!

Acabava com esta polémica de uma vez por todas: cortava já o subsídio de Natal a toda a gente e acabava com as reformas principescas de 800 euros para cima!

Estou a ficar farto do Montenegro e do Toy

Continuo a ter este nefasto hábito de ler jornais e ver telejornais.

É um vício, eu sei.

Está pior desde que deixei de fumar, já lá vão 15 anos!

Agora, aposentado, leio os jornais de fio a pavio (quase leio a necrologia) e vejo os telejornais das 7, das 13 e das 20 horas.

Não tenho desculpa!

Começo, no entanto, a ficar enjoado. Sobretudo dos telejornais.

Sobretudo por causa de duas criaturas que aparecem todos os dias em todos os telejornais.

Falo do novo líder do PSD, Luís Montenegro, e do cantor Toy.

O cantor Toy, responsável por versos tão lindos como “põe a cerveja no congelador e vamos fazer amor”, aparece antes de todos os telejornais, num spot publicitário do Intermaché. Ele canta, toca guitarra, atira-se para uma piscina e diz, sem se rir, “não há nada melhor do que um Intermarché para frequentar”.

Antes do telejornal das 7 da manhã, mal o oiço porque ainda estou a acordar; antes do telejornal das 13, deixa-me mal-disposto; antes do telejornal das 20, já estou disposto a atirar com o chinelo ao écran.

Quanto a Luís Montenegro, a coisa ainda é pior.

As cantigas do Toy, por muito irritantes que sejam, entram por um ouvido e saem por outro – agora, a cantiga do Montecoiso é bem outra.

Todos os dias surge no écran a dizer qualquer coisa, sempre com aquele sorriso safardana. Quem o pode levar a sério?

Por exemplo, em relação aos problemas do SNS, diz Montecoiso que ele só melhorará quando o PS reconhecer desinvestimento histórico. Ora, sabendo que até 2015, com Passos Coelho como 1º ministro, Paulo Macedo como ministro da Saúde e Montecoiso como líder da bancada do PSD, o SNS sofreu um desinvestimento de 825 milhões de euros e que, desde que o Costa é primeiro ministro, e a Marta Temido, ministra da Saúde, o SNS já recebeu mais 3 mil milhões de investimento, só podemos concluir que o homem anda a gozar connosco.

Claro que o SNS está a atravessar um momento difícil, mas ainda se há de fazer a história desta súbita falta de médicos nas urgências. Lembram-se quando as pessoas foram para as janelas aplaudir os profissionais de saúde, felicitando-os pelo modo como estavam a enfrentar a pandemia? Não foi assim há muito tempo. Onde estão agora esses médicos e esses enfermeiros?

Em resumo, com o Toy a abrir os telejornais, com aquela barriguinha a balançar, e o Montenegro a botar faladura, com aquele sorriso sacana, estou a ficar cada vez mais bizarro.

Qualquer dia, qualquer dia…