MÓVEIS E DECORAÇÃO
Programa emitido em 4 Outubro 1981
Abertura
Encoste-se ao espaldar da caminha, recoste-se bem no sofá,
recline-se no canapé ou sente-se numa cadeira e oiça
o Pão Comanteiga, das 10 às 13 ou das 13 às
10, para quem mobila em sentido contrário.
Desta vez, vamos debruçarmo-nos sobre móveis,
decoração e toda essa traquitana. A equipa
de especialistas é a do costume:
Artur Cama e Santos, Bernardo Banco e Cunha, Eduarda Cristaleira,
Joaquim Cortinado, Canapé Duarte, José Sofá-Fanha,
ArMário Zambujal e, á falta de melhor, Carlos
Psiché.
Decidimos, esta semana, mexer nos móveis, dissecá-los
ou enxugá-los ou enxugalinhas. Lançámo-nos
ao trabalho com o ardor do costume e partimos a mobília
toda: a mesa redonda, a mesa alemã, a mesa de operações,
a mesa de conferências e a mesinha de cabeceira; a
cama e as suas utilizações, do ó-ó
ao uh-uh!; o guarda-vestidos, o guarda-fatos e o guarda-freios;
a cristaleira, a crista-loira e a tia Cristina, que já
faz parte da mobília; o banco da cozinha, o banco
do jardim, o banco do hospital, o banco suiço e o
banco de neoveiro; a cadeira e o cadeirão, a poltrona
e o poltrão, o sofá e o sofão; a cómoda,
a incómoda, o comodismo e o euro-comodismo, que continua
na berlinguer; a cadeira de baloiço, a cadeira de
escorrega e a cadeira do dentista, onde o próprio
nunca se senta. Claro que não esquecemos os móveis
de cozinha, mais conhecidos por armários, e os móveis
do outro, designados por sanitários. Quanto à
decoração, fomos do biblot francês ao
mamarracho português, do candeeiro de pé á
pilha de mão, do resposteiro à cor-tina ou
banheira, da salva de prata à salva de palmas, passando
pelo salve-se quem puder.
Obras consultadas: “Decoração da Casa
dos Mortos”, “Um Dia na Cama com Ivan Denisovich”,
“A Cadeirinha dos Canaviais”, “As Mobílias
do Sr. Reitor”, “Os Lustres da Casa de Ramires”,
“Divã, o Terrível”, “As
Escrivaninhas da Ira” e “O Auto das Três
Arcas”.
Frases
* Quem gostava muito do estilo Queen Anne era o marido.
* O estado da cama é sólido. O estado de
coma é crítico.
* Se é diabético, evite as camas com dossel.
* Quando alguém mata alguém dando-lhe com
uma cadeira na cabeça, diz-se que a cadeira foi o
móvel do crime.
* Um decorador entrega-se à sua profissão
de alma e de coração...
* Há quem crie fama e depois se deite na cama. Mas
também há quem crie fama porque se deita na
cama.
* Um biblot é um blot-blot.
* Um velho sofá não é estofado –
é estafado.
* Alcalifa é a alcatifa dos árabes.
* Uma camarilha é um grupo de amigos que dorme na
mesma cama.
* O poltrão é um mentiroso. A poltrona é
uma cadeira que se faz passar por maple.
* Um apartamento de duas assoalhadas é fácil
de decorar. Um palacete de 20 divisões já
é mais difícil. Um tipo já nem se lembra
onde fica a casa de banho...
* Está enganado, caro amigo: o guarda-vestidos não
é um polícia de costumes.
* Quando chegar a casa, cansado de um dia de trabalho,
cuidado – não se afunde no sofá. Que
morte tão estúpida!
* E, como dizem os ingleses: “sofá, so good...”
* Mulheres e lustres dão à luz.
* Um quarto de casal, que parte do casal é?
* A célebre frase “Levanta-te e caminha!”
devia ser substituída por esta: “Deita-te na
caminha!” – era mais apropriado.
* Uma cadeira pode ser cómoda mas uma cómoda
nunca pode ser cadeira.
* E um catre? Sabe o que é um catre? É um
grupe de catre camas! Fácil, apesar de tude!...
* Se costuma beber leite no leito, não troque as
sílabas.
Perguntas inocentes
* O reposteiro é um posteiro duas vezes?
* A cómoda continua a ser cómoda mesmo quando
se atravessssa no quarto?
* E o aparador, será um móvel que tira as
dores?
* E o beliche, serão dois liches?
* E a mesa de pé de galo põe-se na capoeira?
* E o candeeiro de pé – cansa-se?
* E uma almo-fada má é uma almobruxa?
* E uma colcha de renda, quanto rende?
* E um móvel sem pés é imóvel?
* E se há mobílias de quarto por que não
há mobílias do todo?
* E se o capacho se põe ao pé da porta, porque
raio se põe o capachinho na cabeça?
* E nas prateleiras, só se guardam pratos?
* E a secretária é uma agente da polícia
secreta?
* E se há arMários por que não há
arManéis?
Lenga-lenga
Voxecelência pechisbeque
Xaputa kubicheque?
Não! Bric-a-braque chichisbéu
Chilindró chapéu!
Chelente! E xungaria
Cachucho peixaria?
Não! Chachada chanato
Chupista pé chato!
Bom... pechincha cochicho
Chinchila rabicho?
Não! Chatice! Xangai chulé
Chaparro psiché!
Estorinhas
Primeira
O ambiente estava pesado. Todos fumavam e o ar impregnara-se
do fumo espesso de dezenas de cigarros. De súbito,
a tia Genoveva não se conteve e gritou:
- Ar Mário! Ar Mário! Senão sufoco!
Claro que o armário nem se mexeu. Móvel sim,
mas só de nome...
Segunda
O chefe da secção estava furioso. Aqueles
relatórios eram uma miséria: tudo engatado!
Chamou o funcionário mais competente e deixou-se
enervar mais um pouco enquanto esperava. Finalmente, o empregado
chegou, trémulo, prevendo a tempestade.
- Mas o que é isot, Sousa?! – perguntou o chefe
da secção, dando um valente murro na secretária
– Estes relatórios estão todos enganados!
Nada bate certo!
- Não me diga, Sr. Gonçalves. – ripostou,
hesitante, o empregado Sousa, aproximando-se do relatório.
- Olhe para isto! – berrou o Sr. Gonçalves,
dando novo murro na secretária. E apontou para os
gráficos, para as contas, para tudo o resto que,
pelos vistos, não batia certo. – Isto assin
não pode continuar! Tenho que tomar medidas e das
duras! – continuou o chefe da secção.
E deu mais dois murros na secretária.
De súbito, indignada e cheia de nódoas negras,
a secretária levantou-se e encaminhou-se para a porta,
dizendo:
- É um bom emprego, o ordenado não é
mau, mas estou farta de levar porrada!
E foi-se embora.
Terceira
Quando se sentou à secretária para trabalhar,
a cadeira estalou.
Achou natural – não fazia dieta...
Quando se sentou no maple, para descansar um pouco, o maple
rangeu.
Natural, também – molas gastas...
Quando se deitou na cama, ao lado da esposa, a cama gemeu.
Normal – nem ligou importância...
Quando, na manhã seguinte, passou pelo guarda-vestidos,
ele assobiou.
Não se espantou também.
Só mais tarde, quando descobriu que a mulher o deixara,
é que percebeu tudo. Como de costume, fora o último
a saber...
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