Físico-Química
Programa emitido a 20 Fevereiro 1983
Abertura
Pão Comanteiga – um programa humilde e científico,
hoje muito nervoso.
É já logo à noite que, no “Indelével
do Marquês”, comemoramos o nosso 3º aniversário,
rodeados de amigos e amigas. É natural, portanto,
que ao longo do programa de hoje detestem algumas fagulhas
– mas tudo istmo é apenas produtividade do
nervalhoso que se apoderalhou do equipamento.
Não é todos os dias Lourenço que se
festarreja o terceiro anidversário e é natural
que hesitam alguns erros que tentarremos remendar logo antes.
A equipação é a do costume: Artur Gouto
e Santos, Bernardo Birto e Cuna, Ibasel Pineiro, José
Anónio Pinhão, José Ufarte, Josanha,
Mário Rambujal e Calos Cuz. Estararemos aqui entre
as dez e as dez, como é curtume todos os romingos,
na Rádio Industrial, em bambas as ondas, onda médica
e frequência moderada.
Mais uma vez, pediríamos perdamos pelos erros cometidiços
e apelaramos para o tom senso comum dos ossos boivintes.
Ainda por prima, o temático que escolheremos para
o programático de hoje em dia é bem dificultoso.
Andarámos aflitos durante quase uma semana mas conseguiremos
escrer algumas palavronas que – se não vos
vizerem rir, pelo menos, o tempo continuou frio em todo
o consultório nacional, caindo greve nas terras altaneiras
e regisgrafando-se granizo e mesmo água noutras terras
menos grandes. Por isso, recorreríamos a alguns Compreêndios
e asseguraremos um manancial de informações
suficientes para encher três horas de música
e palavradas.
Convosco, durante três mosqueteiros, o Pão
Comanteiga – um gropama humilde e nevroso...
A ressonância
Um fio esticado tem uma frequência natural. Se lhe
for aplicada uma força da mesma frequência,
o fio rapidamente atinge grande amplitude na sua oscilação
– diz-se então que o sistema entra em ressonância.
Ora a ressonância é da maior importância
em diversos ramos da Física, nomeadamente, a Carpintaria.
Considerando uma indutância L e uma Constância
para aí de 18 anos, não muito gorda, e se
lhe juntarmos um condensador – digamos um Joaquim
– obtemos um circuito com algumas curvas perigosas,
em que será necessário meter a primeira. Metida
a primeira, há que ter em conta a frequência
natural das oscilações, exactamente igual
a duas vezes pi, isto é, pipi, vezes a raiz quadrada
da indutância L, vezes o condensador Joaquim. Tudo
isto vem no Compêndio, mas nunca é demais recordar
que a indutância se mede em Henrys e a capacidade
do Joaquim em Farads.
Ora, variando a Constância ou o Joaquim, o circuito
pode ser sintonizado, obtendo assim a Onda Média
ou a Frequência Modulada. Em ambas se ouve o Pão
Comanteiga – um programa humilde que não percebe
nada de Física...
Coisas da Química
Primeira
Deitou duas gotas de líquido sobre o pano e obteve
um buraco.
Satisfeito, deixou cair apenas uma gota do mesmo líquido
sobre a mão esquerda e obteve um buraco ainda maior.
Confirmou, assim, o poder corrosivo do ácido sulfúrico
e a fraqueza da carne.
Segunda
Pegou nas bases, nos ácidos e nos sais, nos tubos
de ensaio, nas retortas e nos alambiques, vestiu a sua bata
de químico e dirigiu-se, calmo, para a Penitenciária
Geral.
Finalmente, ia produzir uma reacção em cadeia...
Terceira
Ele queria estudar Física.
Ela queria estudar o físico.
Encontraram-se no laboratório.
Sorriram.
Ela segurou no tubo de ensaio.
Ele disse, com olhar malandro:
“Lasciva...”
Ela respondeu, desapontada:
“Lixívia...”
Frases
* Falando simbolicamente, podemos dizer que este anel é
de Au, aqueles brincos são de Ag e aquela pulseira
é de Cu.
* Um erg é uma unidade de trabalho.
Dois ergs são duas unidades de trabalho.
Cem ergs são uma Comissão de trabalhadores.
Cinco mil ergs fazem um sindicato. Dez mil ergs formam uma
Central Sindical.
* Aquela Faculdade tinha um Físico, cuja principal
faculdade era o físico.
* As senhoras formadas em Química, em vez de ligas,
devem usar amálgamas.
* Nos comboios a vapor não havia bilhetes de ida
e volt.
* A Educação Física é a Física
sem asneiras.
* O raio xis é um empata.
* Aqueles dois químicos viam-se amavam-se de longe,
através do vidro do laboratório – era
uma amor plutónio.
Era um cientista distinto
Era um cientista distinto. Distinguia perfeitamente os ácidos
das bases, mas não eram as bases que lhe interessavam.
Era o topo.
Era um cientista distinto que queria chegar ao topo, ser
o primeiro. Segundo a segundo, o seu pensamento fluía
para aquela cadeira da Academia das Ciências. Paciência
era coisa que ele não tinha. Tinha, eczemas ou outras
doenças contagiosas também nunca tivera e
não era essa a razão que o impedia de ocupar
aquele lugar tão desejado.
O desejo era, aliás, o seu motor principal. Principalmente
porque não tinha outro. Outros tentariam processos
desonestos, indignos de um cientista às direitas.
As direitas e as esquerdas não o preocupavam ou seduziam.
Toda a sua sedução era aquela cadeira na Academia
das Ciências, pela qual lutava dia a dia, no seu laboratório,
fazendo experiências, ensaiando novos produtos –
produto da sua imaginação, soma dos seus estudos,
multiplicação dos seus esforços, porventura
vãos. Nos vãos de escada, nos bancos de autocarro,
na sua cama de inveterado solteirão, magicava fórmulas,
mas não havia forma de encontrar o processo de conseguir
aquela cadeira da Academia de Ciências.
Era um cientista distinto quase desesperado.
Estaria tudo descoberto? Não haveria mais nada para
inventar? Que fabuloso trabalho deveria empreender para
impressionar o júri da Academia e conseguir a tão
almejada cadeira?
Durante anos tudo tentou, mas os seus trabalhos foram sempre
ignorados, atirados para a gaveta dos pendentes. Pendentes
não ficaram, no entanto, os seus membros, fossem
eles quais fossem! Apesar de todos os dissabores, não
deixou cair os braços, sobretudo porque precisava
deles para levar a cabo o diabólico plano que engendrara
numa noite de insónia e chuva.
Na manhã seguinte, envergando o seu ar mais científico,
o distinto cientista entrou na deserta Academia de Ciências
e roubou a cadeira.
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