PÃO COMANTEIGA NO CONTRA-ATAQUE –
10
Programa emitido a 10 de Abril 1982
Cega rega
Era uma vez um gato
Sapato
Que andava esfaimado
Embuçado
Deambulando pelos quintais
Orientais
Em busca de algo que satisfizesse a sua fome de várias
semanas
Bananas
Certo dia
Tia
Quando a chuva formava poças de lama
Cama
Nos terrenos baldios da cidade
Verdade
O gato, esfaimado, arrastava-se perto da exaustão
Combustão
Já desesperado
Gado
Acreditando que a fome lhe provocaria uma morte terrível
Fusível
Quando, num charco de águas lamacentas, encontrou
um sapato
Era uma vez um gato
Castanho que pertencera a um embuçado
Que andava esfaimado
Que voltara das Índias Orientais
Deambulando pelos quintais
Com um carregamento de bananas
Em busca de algo que satisfizesse a sua fome de várias
semanas
Para oferecer a uma tia
Certo dia
Que estava de cama
Quando a chuva formava poças de lama
Doente de verdade
Nos terrenos baldios da cidade
Nela, da vida, apenas brilhava uma ténue combustão
O gato, esfaimado, arrastava-se perto da exaustão
Recordações de quando contava cabeças
de gado
Já desesperado
Com a mesma habilidade com que mudava um fusível
Acreditando que a morte lhe provocaria uma fome terrível
Era uma vez um sapato
Quando, num charco de águas lamacentas, encontrou
um gato
Castanho que pertencera a um esfaimado
Que andava embuçado
Que voltara das Índias Orientais
Com um carregamento de semanas
Em busca de algo que satisfizesse a sua fome de várias
bananas
Para oferecer a um dia
Certa tia
Que estava de lama
Quando a chuva formava poças de cama
Doente de cidade
Nos terrenos baldios da verdade
Nela, da vida, apenas brilhava uma ténue exaustão
O gato, esfaimado, arrastava-se perto da combustão
Recordações de quando contava cabeças
de desesperado
Já gado
Com a mesma agilidade com que mudava um terrível
Acreditando que a fome lhe provocaria uma morte fusível
Era uma vez uma melancia
Quando, num charco de águas lamacentas, encontrou
uma tia
Que seguia num carregamento para as Índias Orientais
Que deambulava pelos quintais
Essa tia tem algo a ver com o gato?
Sapato
Que andava esfaimado
Embuçado
Deambulando pelos quintais
Orientais
Em busca de algo que satisfizesse a sua fome de várias
semanas
Bananas
PÃO COMANTEIGA NO CONTRA-ATAQUE
– 11
Programa emitido a 17 de Abril 1982
Histórias
Um homem com mau feitio
Era uma vez um homem com mau feitio.
Tinha tão mau feitio que nem os fatos lhe assentavam
bem.
Certo dia conheceu um alfaiate competente e compreensivo.
Viveram felizes para sempre.
De boca aberta
Era outra vez outro homem perante o qual todos ficavam de
boca aberta.
Não que fosse muito belo ou terrivelmente feio.
Não que o seu porte fosse majestoso ou a sua figura
ridícula.
Não que usasse roupas estranhas ou óculos
na boca.
Simplesmente, perante ele, todos ficavam de boca aberta.
Era dentista.
Dois amigos
Era uma vez dois amigos muito amigos.
Certo dia fizeram uma combinação.
No dia seguinte, fizeram um saiote.
Um ano depois tinham uma excelente fábrica de lingerie.
História nocturna
Esta história passa-se à noite.
Roberto Cambraia regressa a casa, depois da farra.
Passada larga, assobio nos lábios, joelhos a meio
das pernas.
De súbito, saído de um buraco no muro, um
minúsculo vulto atravessa-se-lhe na frente.
Que susto! E aquilo parecia um isqueiro!
Mas não podia ser. Um isqueiro a correr assim, atravessando-se
à frente de Roberto Cambraia!
Num pulo fascinante, o vulto esgueirou-se por detrás
do pneu de um automóvel, emitindo um som esquisito,
que mais parecia uma casquinada – como se estivesse
a gozar com Roberto.
Roberto Cambraia sentiu o arrepio percorrer-lhe a espinha
mas decidiu não se deixar intimidar. Respirou fundo
e atirou-se para a frente, cortando a fuga ao vulto. Depois,
rojou-se no chão e, fazendo das mãos garras,
apanhou a coisa.
Afinal não era um isqueiro! Nem podia ser, porque
um isqueiro não corre nem casquina daquela maneira.
Era um pente de aço inoxidável, daqueles que
Roberto Cambraia tanto gostava.
Meteu o pente no bolso e seguiu o seu caminho, assobiando
a mesma cantiga.
O homem do saco
Era de noite.
No inverno.
Chovia.
O vento uivava de vez em quando.
Enfim – aqueles condimentos do costume, vocês
já sabem...
O Carlinhos não queria comer a sopa.
Também era habitual.
Nos dias em que o pai ia fazer serão, sentia-se mais
livre e dava-se ao luxo de desobedecer à mãe.
A mãe insistia. Ralhava. Prometia. Ameaçava.
Que vinha o homem do saco e que o levava! O Carlinhos não
acreditava. Que viesse!...
E é que não veio mesmo?
Era o Sr. João, carteiro da área. Pousou o
saco da correspondência no hall de entrada e meteu-se
no quarto com a mãe.
Quando o pai voltou mais cedo do serão e descarregou
a pistola nos miolos dos adúlteros, o Carlinhos não
percebeu.
Pois se foi ele que não comeu a sopa!...
Operações aritméticas
Adição
Para facilitar a exposição, vamos socorrer-nos
de um exemplo:
Suponhamos então, ou agora, que temos, num saco plástico,
15 laranjas e, noutro saco plástico, 16 laranjas.
Despejamos as laranjas todas para um cabaz forrado a papel
de jornal e desejamos saber, por mera curiosidade, quantas
laranjas contem o cabaz.
Suponhamos, primeiro, que o cabaz se encontrava vazio antes
de conter as laranjas mas que, depois de termos despejado
para lá as 15 laranjas do saco plástico e
as 16 tangerinas do cartucho de papelão, não
ficou cheio porque, graças a experiências anteriores,
se verificou que o dito caixote tinha capacidade para 142
maçãs, considerando que cada maçã
tinha cerca de 15 centímetros de diâmetro.
Ora, como já foi referido, as tâmaras da primeira
lata (27 ao todo), eram um pouco maiores que as pêras
da caixa de cartão, que possuía, conforme
devem estar recordados, 18 centímetros de diâmetro.
No entanto, se o contentor não estivesse forrado
de jornal, a sua capacidade seria ligeiramente maior, podendo,
nesse caso, conter 144 bananas, supondo, por absurdo, que
se conseguissem arranjar tantas bananas.
Como é óbvio, o resultado da soma é
31 laranjas e podemos passar à segunda operação.
Subtracção
Suponhamos um frasco de vidro da Marinha Grande contendo
345 feijões, tipo carolino. O Carlinhos, por razões
que não conseguimos apurar, pretende tirar cinco
feijões do frasco e introduzi-los no ouvido do avô
Carolino, aproveitando o facto do senhor estar a dormitar
no sofá da sala, após ter desistido de decifrar
as palavras cruzadas do jornal.. sabe-se, por experiências
anteriores, que o ouvido do avô Godofredo comporta
apenas dois feijões, e mais num terceiro apenas entrará
a muito custo, com a ajuda de uma cotonete. Supondo agora
que o avô dormita deitado sobre o sofá, cujo
comprimento é inferior à sua altura, pelo
que o senhor fica com os pés de fora; supondo ainda
que o Paulinho pensa fazer cócegas nas plantas dos
pés do avô Rodrigo, obrigando-o a levantar-se
estremunhado e aproveitando então a altura para lhe
introduzir, na boca, o frasco dos feijões, pretendemos
saber quantos feijões ficam no referido frasco.
A operação é uma simples subtracção
e a resposta, claro é 340 feijões, tipo carolino.
Multiplicação
Desta vez, escolhemos para o nosso exemplo, sabonetes e
o Zequinha.
Suponhamos que o Zequinha possui dois sabonetes vulgares
e que, por razões obscuras, os pretende multiplicar
por dez outros sabonetes, quatro dos quais com sabor a morango.
O desejo do Zequinha que, como já devem percebido,
se trata de um rapaz muito asseado, é perfeitamente
justificado e nós só temos que lhe agradecer
por nos dar esta oportunidade de explicarmos convenientemente
as regras fundamentais da multiplicação.
Ora, sabendo que a ordem dos factores é arbitrária,
tanto faz multiplicar os dois sabonetes vulgares pelos dez
sabonetes, quatro com sabor a morango, como multiplicar
ao contrário, ou seja, os dez sabonetes vulgares
pelos dois sabonetes, quatro com sabor a morango. No entanto,
sabe-se que um dos sabonetes tem um invólucro que
indica um sensacional desconto de um escudo e cinquenta
centavos (oferta limitada) e que, contra a entrega de três
invólucros dos sabonetes de sabor a morango e apenas
200 escudos, receberá, no seu fornecedor habitual,
uma excelente frigideira de ferro forjado, que não
risca nem agarra ao fundo.
O resultado é 20.
Divisão
Suponhamos que José Carlos Almeida Ventura possui
45 livros sobre bricolage, sendo dois deles sobre reparação
de móveis e que, sentindo aproximar-se a morte, decide
dividi-los pelos seus cinco filhos, a saber: Lúcia
Ventura, 27 anos, casada, empregada de escritório;
Martinho Ventura, 29 anos, solteiro, encarregado de armazém;
Joana Ventura, 30 anos, divorciada, vendedora de produtos
de beleza; Manuel Ventura, 32 anos, casado, fotógrafo;
e Vitor Ventura, 33 anos, casado, construtor civil.
Na opinião de Lúcia Ventura, seu pai, José
Carlos Almeida Ventura, possuidor de 45 livros de tauromaquia,
dois deles especificamente sobre o toureio a cavalo, não
está tão mal como isso e a morte não
estará para breve, pelo que acha desnecessário,
e até de mau agoiro, dividir os livros de culinária.
Em desacordo está Manuel Ventura que, tendo visitado
seu pai, Eugénio Correia das Neves, possuidor de
45 livros de Emílio Salgari, achou-o com mau aspecto,
como se a morte o estivesse já a arrastar para a
tumba. Gustavo Saavedra é, pois, de opinião
que se dividam as enciclopédias pelos cinco filhos,
antes que o velho bata a bota. O diferendo acaba por ser
resolvido durante uma reunião familiar. Inês
Gomes, 24 anos, solteira, arquivista diplomada anuncia o
resultado exacto da divisão: cinco livros de arqueologia
a cada filho.
Arnaldo José Pinto pode, agora, morrer descansado...
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