CABEÇA, TRONCO E MEMBROS
Programa emitido a 8 de Novembro 1981
Breve descrição
da cabeça
A cabeça é uma das partes mais importantes
do corpo humano. Há quem diga, até, que a
cabeça é imprescindível. No entanto,
muita gente perde a cabeça e não é
por isso que morre ou mesmo falece.
Geograficamente, a cabeça é uma porção
de corpo rodeada de ar por todos os lados, menos por um,
chamado istmo ou pescoço. Neste caso, o nome correcto
para a cabeça será cabecilha.
Anatomicamente, a cabeça é a parte que tapa
o tronco, assim uma espécie de rolha. Com efeito,
sem cabeça, bastaria olhar pelo pescoço e
via-se o corpo por dentro, o que era uma vergonha.
A utilidade da cabeça é tão variada
que seriam necessários, pelo menos, 10 programas,
para dizer tudo. De qualquer modo, vamos referir algumas
utilidades da cabeça, resumidamente: coçar
a cabeça, usar o chapéu, ter tonturas, piolhos
ou caspa, bater com a cabeça nas paredes, puxar pela
cabeça, ter a cabeça à razão
de juros, dar sentenças, que variam conforme a cabeça
e por aí fora.
A cabeça é igual em ambos os sexos, e mesmo
nos outros. Não existem diferenças apreciáveis
entre a cabeça do homem e a da mulher, ao contrário
do que acontece com o tronco, como veremos daqui a pouco.
Até a designação é a mesma.
A mulher tem cabeça e o homem tem, também,
cabeça, e não cabeço, como alguns apregoam.
Cabeço é próprio de Vide, e não
de homem.
Quanto ao tipo de cabeças, há a considerar
as grandes cabeças, ou cabeçorras, as cabeças
de alho chocho, as cabeças de fósforo, as
cabeças frias, os cabeções, muito usados
pelos eclesiásticos, as cabeças de burro,
as cabeças de vento, as cabeças de alfinete,
para além das cabeças vulgares, também
conhecidas pelos nomes ternos e simpáticos de pinha,
mona, tola, bestunto ou caixa dos pirolitos.
Podemos dividir a cabeça em duas partes, embora essa
divisão seja considerada um crime atroz. Ou atrás,
se for pela retaguarda. As duas partes são: o crânio
e a face, excepto no caso dos cristãos, que têm
sempre outra face.
O crânio
O crânio não passa de um conjunto de ossos,
designado pelo astucioso nome de ossos do crânio,
que contêm o cérebro. Este é uma massa
de tecido nervoso, conhecido pelo nome de miolos, com neurónios
e essa trapalhada toda.
O cérebro do homem está muito desenvolvido
em relação ao dos animais. É por essas
e por outras que os cães, por exemplo, não
são capazes de fazer programas de rádio. Com
a televisão já não se passa o mesmo.
Cite-se o exemplo da Lassie.
O cérebro divide-se em três camadas: o consciente,
que é aquilo que a gente sabe; o subconsciente, que
é aquilo que agente julga que sabe, mas não
sabe; e o inconsciente que é aquilo que a gente julga
que não sabe e não sabe mesmo.
Para passar do consciente ao inconsciente, é fácil:
basta dar uma boa cacetada na cabeça. Fica-se, então,
inconsciente. No entanto, quando se readquire a consciência,
não sabemos se estivemos inconscientes ou não.
Quando a cacetada não é suficientemente forte,
ficamos apenas subconscientes.
Segundo estudos apurados, o homem utiliza apenas 10% do
seu cérebro, o que é óptimo. Já
pensaram o que seria do mundo se o homem soubesse utilizar
20, ou mesmo 15%? Uma catástrofe!
O cérebro é o cérebro do nosso corpo.
É ele que comanda todas as nossas actividades. É
sobretudo usado para pensar. Pensar é uma prática
habitual entre os homens, apesar de tudo. Pensa-se na vida,
pensa-se a ferida, pensa-se no futuro. E quando não
se pensa, dispensa-se. Um homem que dispensa, diz: “Pensa!”
Como se disse, o cérebro está revestido pelos
ossos do crânio que, exteriormente, estão cobertos
pelos pêlos que, neste caso, recebem o nome especial
de cabelos, excepto nos indivíduos calvos, que são
carecas. Um calvo tem, pois, a cabeça coberta de
careca, enquanto um cabeludo, tem o crânio coberto
de cabelos. É o escalpe, muito utilizado para escalpelizar
determinados assuntos. Antigamente, os escalpes dos rostos-pálidos
eram muito usados pelos índios americanos, que os
cortavam com os “tomahwawks” e os ofereciam
ás “squaws” para os pendurarem nos “tippies”.
Coisas de selvagens, não é?... Com efeito,
quem se lembraria de chamar rostos-pálidos aos homens
brancos, senão os péles-vermelhas?...
A face
A face é limitada, a norte, pelo crânio; a
sul, pelo pescoço; a este, pela nuca; a oeste, pela
atmosfera.
A face, também conhecida por rosto, tromba, fronha
ou carantonha, possui vários acidentes, a saber:
os olhos, o nariz, as bochechas, a boca e o queixo e, lateralmente,
as orelhas. Ah! e a testa! parte imprescindível da
face, que serve, por exemplo, para testar a cultura geral
de um dado sujeito, ou mesmo para atestar, contestar ou
protestar.
Os olhos
Os olhos são habitualmente dois e servem para ver
ou levar murros. Neste caso, são olhos negros –
o que nada tem a ver com a cor da pele. O olho está
protegido pelas pálpebras, ou badanas, e possuem,
nas extremidades, as pestanas. São as pestanas e
as badanas. Por um mecanismo misterioso, as pálpebras
abrem-se e fecham-se, sem botões, interruptores ou
fecho éclair. De noite, estão habitualmente
fechadas – diz-se, então, que o homem está
a dormir. A pálpebra pode-se abrir e fechar rapidamente
– é a piscadela de olho, que pode ser uma provocação,
um convite ou uma conjuntivite. Regra geral, o olho não
tem roupa – é o olho nu. Ninguém se
importa com isso. Já estamos habituados ao olho nu.
Mesmo os soldados, quando vão para a guerra, armados
até aos dentes, levam sempre a vista desarmada.
O olho é um órgão cheio de potencialidades,
podendo adaptar-se às mais variadas circunstâncias.
Assim, para se ver coisas pequeninas, faz-se vistas curtas;
para ver coisas grandes, faz-se vista grossa; para se ver
coisas belas, fazem-se olhinhos bonitos.
Acrescentamos que, quando a vista é muito bonita,
se chama panorama.
O nariz
Ao falarmos dos olhos, não falámos dos óculos
propositadamente. Os óculos são objectos muito
úteis ao homem, sobretudo aos míopes. Mas
não serviriam para nada senão fosse o nariz.
O apêndice nasal ou penca é também muito
útil. É com ele que se espirra e se funga.
O nariz é a única parte do corpo humano que
cheira a banana e é essencial para manter a saúde
mental do homem. De facto, é no nariz que os macaquinhos
ficam retidos. Nessa altura, deve tirar-se os macacos do
nariz rapidamente, para que eles não subam ao sótão
– chama-se a esta actividade a limpeza do salão.
Para além de ser óptimo para rimar com Luis,
Diniz e perdiz, o nariz também é essencial
para as indústrias têxtil e farmacêutica.
Sem ele, não existiriam os lenços e os pingos
para o nariz.
Diga-se que o nariz se mete muitas vezes onde não
é chamado, o que poe provocar amargos de boca.
O inventor do nariz foi uma mulher: Cleópatra, rainha
do Egipto. Mais tarde, esta parte do corpo humano foi aperfeiçoado
por Cyrano de Bérgerac.
A boca
Vamos agora mandar umas bocas sobre a boca. Trata-se de
uma abertura situada logo abaixo do nariz, mas acima do
queixo, sendo rodeada pelos lábios, e contendo a
língua e os dentes, para além de outras coisas,
as mais variadas, desde cigarros a nêsperas.
Com a boca beija-se, fala-se, lambe-se mastiga-se, trinca-se,
tritura-se, roi-se, cospe-se, tosse-se, grita-se, berra-se,
murmura-se, bichana-se, sopra-se, boceja-se, ressona-se,
vomita-se, assobia-se, blasfema-se, arrota-se, faz-se blurp
blurp, bebe-se, come-se, chupa-se, sorve-se, aspira-se,
bafeja-se e chega.
Já os nossos antepassados possuíam dentes;
não passamos de meros descendentes. As crianças,
quando nascem, não têm dentes, mas hão-de
tê-los – são os pretendentes.
Há ainda os condescendentes, isto é, os condes
sem dentes. Embora haja dentes de leite, não há
dentes de iogurte. Embora não pareça, a língua
é um músculo. Sem a língua não
saberíamos o que é o sabor, pois é
nela que estão as papilas gustativas, que não
têm nada a ver com as Papilas do Sr. Reitor. Portanto,
só quem tem boa língua, tem bom gosto. Quando
se dá com a língua nos dentes, faz-se tlock!
O tronco
Para que as pernas e os braços não nasçam
do pescoço, inventou-se o tronco. Trata-se de uma
peça do corpo humano extremamente útil. O
que faríamos ao coração e aos pulmões
sem o tronco? É que está provado que a vida
é impossível sem coração e pulmões.
Mesmo com eles, a vida é quase impossível!...
Portanto, se não existisse tronco, seria muito incómodo
ter o coração no joelho direito, por exemplo,
e um pulmão em cada pé.
Claro que há para aí quem diga que tem o coração
ao pé da boca ou que tem o coração
nas mãos. Tudo falsidades! O coração
está na caixa torácica que, por sua vez, está
no tronco.
Regra geral, é fácil distinguir um tronco
de homem de um tronco de mulher, graças aos seios.
Toda a gente sabe o que são os seios, pelo que achamos
desnecessário estar com descrições
ruborizantes. Uma mulher com seios diz-se asseada; sem seios,
diz-se que sai ao pai. De todos os seios que conheço,
os que gosto mais são os seis da família.
Mas o seio das forças armadas também deve
ser levado a peito.
O peito é a parte da frente do tronco, em cima. Em
baixo, fica a barriga. Atrás são as costas.
Ao fundo das costas, ficam as nádegas que, apesar
do nome, não servem para nadar. Servem apenas, tanto
quanto sabemos, e sobre nádegas sabemos muito pouco
– para assentar o corpo do homem ou da mulher, e para
levar injecções.
Frases
* Do queixo que eu mais goxto é do queixo flamengo.
* Para Robespierre, não era “cada cabeça,
sua sentença” – a sentença era
sempre a mesma, qualquer que fosse a cabeça: guilhotina
* Nunca meta os pés pela cabeça. Toda a gente
sabe que é pela boca que eles entram melhor.
* Antes de trocar os olhos, verifique primeiro se a outra
pessoa não é míope. Não faça
maus negócios.
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