BOMBEIROS
Programa emitido a 1 de Maio 1983
Frases
* Era um bombeiro tão dedicado que, sempre que o
filho estudava, não o deixava queimar as pestanas.
* O fogo das paixões apaga-se com a ventania dos
anos.
* Quando viu a casa a arder, quis chamar os bombeiros,
mas não sabia o seus nomes...
* Os bombeiros estão garantidos, no que respeita
á vida eterna. Por questões de segurança,
os bombeiros nunca vão para o Inferno.
* Os bombeiros voluntários não podem ser
obrigados a apagar incêndios.
* Se “chama” é sinónimo de “labareda”,
quando há um incêndio, a mãe pode dizer
à filha: “telefona depressa e labareda os bombeiros!”
* Quando o imperador Nero mandou incendiar Roma não
conhecia, ainda, a Reboleira, a Amadora e a Brandoa.
* Foi de...balde que tentaram apagar o incêndio,
em vão, claro... a água é essencial...
* António Queimado pode significar apelido ou necessidade
de cirurgia plástica...
* Quando o fogo foi declarado na Assembleia, a Oposição
votou contra, por uma questão de coerência.
A descoberta do fogo
Estava-se numa tarde amena do Paleolítico Superior.
Fazia um pouco de frio, devido à altitude, mas os
homens estavam habituados e traziam os corpos cobertos por
peles de animais. As mulheres também...
Até aqui, tudo bem...
Lá em baixo, no Paleolítico Inferior, fazia
mais calor e os homens andavam todos nus. As mulheres, também...
foi por isso que foram estes a descobrir o fogo. Não
sei se me faço entender...
A vida no paleolítico Superior era uma chatice. Os
homens partiam para a caça logo de manhã e
as mulheres ficavam nas cavernas a bater com os pés
no chão e a fazer “brrr!”, porque estava
mesmo um frio do caraças.
Ao fim da tarde, as mulheres já tinham os pés
cheios de nódoas negras quando os homens chegavam
com a caça. Dois búfalos, meia dúzia
de veados e alguns bisontes, quando as coisas corriam bem.
Estavam todos esgalgados de fome e cheios de frio. Faziam
“brrr!” durante mais alguns minutos e batiam
com os pés no chão outra vez. A isto, chamaram
os antropólogos, milénios depois, “danças
rituais”...
Mas a fome acabava sempre por vencer o frio e, homens e
mulheres, atiravam-se às peças de carne, devorando-as
com eficácia e algum método. Tudo cru, claro.
E às escuras. Quando acabavam de comer, faziam “brrr!”
outra vez, mas já não batiam com os pés
no chão, porque estavam cansados. Por isso, deitavam-se,
enroscavam-se uns nos outros para aquecer e adormeciam quase
instantaneamente. Só de vez em quando faziam amor
e, mesmo assim, sem nunca tirarem as peles. Daí que
os filhos fossem poucos e que nenhum representante do Paleolítico
Superior tivesse sobrevivido até aos nossos dias.
No Paleolítico Inferior tudo era diferente. Como
já dissemos, os homens andavam nus. As mulheres também.
Disseram depois os estudiosos que ainda não haviam
descoberto as peles. Tudo mentira. Os homens e mulheres
do Paleolítico Inferior já tinham descoberto
as peles uns dos outros e achavam que assim era bom. Costumavam
até esfregar as peles uns dos outros e achavam que
era óptimo!
De manhã, os homens também partiam para a
caça, mas as mulheres não ficavam a bater
com os pés no chão. Pelo contrário,
deitavam-se na relva fresca das planícies e deixavam
os seus corpos serem acariciados pelos raios solares.
Ao fim da tarde, quando os homens chegavam com a caça,
elas estavam prontas para os receber: frescas, desejosas
e cheias de fome.
Não sei se me faço entender...
Depois, comiam e amavam-se, ou vice-versa. Neste ponto,
a História não é precisa. Nestas alturas
– quando se come ou quando se ama – os historiadores
costumam estar distraídos...
Não vem na História – mas é verdade
– que, certa noite, um homem e uma mulher do Paleolítico
Inferior se amaram com tal ardor que até fez lume.
Um voyeur que por ali estava, aproximou um galho seco dos
corpos dos dois amantes e o fogo incendiou o galho.
Estava descoberto o fogo.
A alegria foi enorme, houve aplausos e risos, mas tudo acabou
depressa, quando a chama se extinguiu no galho.
No entanto, nada faz desanimar o engenho do homem, quando
ele está para aí virado. E então, todos
os casais decidiram seguir o exemplo daqueles dois amantes.
Em breve, se declarava o primeiro incêndio da História
da Humanidade!
Um bombeiro com azar
Custódio Lourosa era um bombeiro com azar.
Inscrevera-se como voluntário porque gostava de fardas,
mas não havia nenhuma para a sua medida.
E a sua medida era grande!
Por isso, não havia farda para Custódio Lourosa
– não havia pano para mangas.
Nem para mangas, nem para pernas – e um bombeiro de
meia manda e de calções seria um desprestígio
para a Corporação.
Por isso, Custódio Lourosa apagava fogos à
civil.
Mas também os apagava aos militares, se fosse preciso...
Não se pense, no entanto, que Custódio Lourosa
apagava fogos à balda.
Custódio preferia a mangueira.
E como não havia farda para o seu tamanho, Custódio
Lourosa apagava fogos vestido de homem-rã, que era
o melhor que se podia arranjar.
Quando havia algum incêndio, as crianças corriam
para ver os bombeiros actuar e, ao reparem em Custódio,
bem agarrado á sua mangueira, vestido de homem-rã,
gritavam: “Eu vi um sapo!”
Não era por mal... compreende-se que uma criança
não consiga distinguir um sapo de uma rã.
Aliás, existem até muitos adultos incapazes
de distinguir um eléctrico de um a pilhas.
Quando o alarme tocava, Custódio Lourosa era sempre
o último a chegar. O fato de borracha estava-lhe
justo e custava a adaptar-se aos seus desenvolvidos músculos.
Mas todos os bombeiros da Corporação esperavam
por ele, porque sabiam que só ele podia segurar na
mangueira com firmeza.
Era uma Corporação de fracos recursos, mas
lá ia dando para as encomendas. A povoação
também era pequena e as encomendas não eram
muitas...
O carro de bombeiros, por exemplo, era a pedais e não
tinha sirene. Era o Manuel Lordelo que, pendurado no estribo,
emitia sons vagamente semelhantes aos de uma sirene.
Pelo menos, era eficaz. Em três tempos, toda a população
estava pronta para seguir e até ultrapassar o carro
dos bombeiros – que era a pedais, como já tive
ocasião de informar.
Naquele dia, o telefone tocou no quartel dos bombeiros.
Atendeu o comandante, Gonçalves Campanhã –
farmacêutico nas horas livres.
Era uma chamada de rotina, ou mais propriamente, de Rosélia
Clérigos. O seu gato pendurara-se no cedro mais alto
da aldeia e urgia salvá-lo.
Gonçalves Campanhã retorceu o bigode durante
três segundos e escolheu Custódio Lourosa para
executar a tarefa – era o único bombeiro à
altura e a Corporação só tinha um escadote.
O nosso herói foi a pé, subiu ao escadote,
pegou no gato e levou-o a Rosélia.
Arfando ligeiramente, ela agradeceu ao destemido bombeiro
à civil e disse, com malícia nos olhos: “Tenho
a impressão que também tenho um fogo cá
em casa...”
Mas Custódio Lourosa era um bombeiro com azar e respondeu:
“desculpe... mas deixei a mangueira no quartel....”
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