O Sindroma George Harrison

– Zézinho, gostas mais do papá ou da mamã?

– Gosto mais do tio Manel!

Eis o caso típico de Sindroma George Harrison.

Qual era o melhor Beatle: McCartney ou Lennon?

Os intelectuais/eruditos mais empedernidos respondem: George Harrison.

A pergunta é idiota, claro, como se comprovou pela fraca carreira a solo de todos os ex-Beatles, tirando uma ou outra excepção.

Os Beatles foram bons enquanto grupo e o seu êxito deveu-se, sobretudo, à sinergia das suas qualidades.

Vem isto a propósito daquelas listas que os críticos do jornais às vezes fazem, quando decidem escolher os melhores discos, ou os melhores filmes, ou os melhores livros.

Este sábado, o Expresso publica uma dessas listas: os 50 discos que toda a gente deve ouvir.

Pondo de parte os discos de jazz e de música clássica, dos quais pouco posso dizer, as escolhas dos discos da chamada música popular deixaram-me espantado.

Dos 28 discos escolhidos, apenas conheço sete!

Claro que não sou um perito na matéria mas, desde jovem adolescente que acompanho a música popular (pop-rock), sobretudo a anglo-americana. Sou contemporâneo das grandes bandas dos anos 60 e 70, acompanhei de perto o boom da pop britânica, conheço o nome dos principais “conjuntos” (era assim que se chamavam), sou capaz de reconhecer a maior parte dos seus êxitos. Depois, nas décadas seguintes, continuei atento às novas tendências, através dos meus filhos. Por ter trabalhado, durante alguns anos, na televisão e da rádio, tive contacto com alguns divulgadores de música (o António Sérgio, por exemplo), pelo que conheci mais algumas bandas mais “estranhas”.

E, mesmo assim, nunca ouvi falar de 19 discos que constam desta lista!

Ricardo Saló escolheu os seguintes discos: Pet Sounds (Beach Boys, 1966), The Music of the Ba-Benzele Pygmies (Vários, 1966), Guitarra Portuguesa (Carlos Paredes, 1967), The Velvet Underground & Nico (1967), Astral Weeks (Van Morrison, 1968), Trout Mask Replica (Captain Beefheart, 1969), There’s a Riot Goin’ On (Sly and The Family Stone, 1971) e What’s Going On (Marvin Gaye, 1971).

Desta selecção de discos da minha geração, apenas conheço os discos dos Beach Boys, de Carlos Paredes e dos Velvet Underground.

A escolha de Pet Sounds que, na opinião do crítico, o “transportou para um lugar incógnito. Era um ambiente irreal: dir-se-ia entre o sonho e a ‘magia’ da espera do Pai Natal”, é mais um caso de Sindroma George Harrison. A escolher um disco da colheita de 1966-67, o mais óbvio, digamos, o McCartney, seria o Sgt Pepper’s, a seguir, o Lennon, seria Beggars Banquet, dos Stones – mas Saló escolheu o Harrison, Pet Sounds.

Na minha opinião, Pet Sounds é um disco vulgar. O grande trunfo dos Beach Boys, nesses tempos, foi Good Vibrations, que nem sequem entrou no alinhamento do álbum. Mas o crítico acha que a canção God Only Knows é algo de esotérico, dizendo que é “um sopro de orquestra, guizos e uma pulsação entre o bater do coração daquela voz e do trenó de que se faz, nessa idade, o sonho da felicidade”.

I rest my case…

João Santos escolheu os seguintes discos: Milagre dos Peixes (Milton Nascimento, 1973), Songs of Love and Hate (Leonard Cohen, 1971), Gamelan Semar Pegulingan (Vários, 1972), The Dark Side of the Moon (Pink Floyd, 1973), Lo Dice Todo (Grupo Folklorico Y Experimental Nuevayorquino, 1976) e Imyra, Tayra, Ipy (Taiguara, 1976).

De mais esta selecção, só conheço os discos do Cohen e dos Pink Floyd e, sim, escolheria The Dark Side of the Moon como um dos 50 discos que toda a gente devia ouvir – mas os restantes…

Finalmente, João Lisboa escolheu: The Ascension (Glenn Branca, 1981), Colossal Youth (Young Marble Giants, 1980), Le Quart de Siécle de Franco de Mi Amor (Frank & Le TPOK Jazz, 1981), Music for a New Society (John Cale, 1982), “Swordfishtrombones” (Tpom Waits, 1983), United States Live (Laurie Anderson, 1984), Evol (Sonic Youth, 1986), En Concert à Paris (Nusrat Fateh Ali Khan, 1986), Sign ‘O’ Times (Prince, 1987), The Rough Dancer and the Cyclical Night6 (Astor Piazzola, 1988), 3 Feet High and Rising (De La Soul, 1989), Dressing for Pleasure (Jon Hassel & Bluescreen, 1994), 69 Love Songs (The Magnetic Fields, 1999) e New Anciente Strings (1999).

Desta lista, conheço o disco do Tom Waits (outro que eu escolheria para os 50 imprescindíveis), o do Prince e o dos Magnetic Fields (este último é um barrete que foi aclamado pela nossa crítica – 69 cançõezinhas de amor, que são isso mesmo, cancõezinhas, algumas delas feitas apenas para encher o disco e chegar ao número 69, o que não passa de uma piadinha de adolescente: 69, percebem?…)

E os Beatles, os Stones, os Led Zeppelin, Otis Redding, King Crimson, Procol Harum, Fairport Convention, Small Faces, Kinks, ou Jacques Brel, José Afonso, Chico Buarque, João Gilberto, Nine Inch Nails, Chicago, Blood Sweat and Tears, ect, etc, etc?

No final da listagem, o Expresso publica outra lista com mais algumas escolhas dos seus críticos que, segundo eles, também poderiam figurar nos 50 eleitos, mas já não cabiam. Dessa lista fazem parte coisas como Blackout (Britney Spears, 2007) e Control (Janet Jackson, 1986)!

E os Beatles também lá estão, coitados…

E com que disco?

Mais uma vez, o Sindroma George Harrison… o disco escolhido não é Sgt. Pepper’s, nem Abbey Road, nem sequer o White Álbum, mas sim o Revolver.

Típico…

8 thoughts on “O Sindroma George Harrison

  1. Embora discorde do seu juízo sobre o “Pet Sounds”, no resto subscrevo inteiramente o que diz. A lista dos “experts” do “Expresso” é simplesmente idiota. Deixar de fora os nomes que cita no final (a que eu acrescentaria os Van der Graaf Generator) é de uma insensatez que brada aos céus! Mas há fulanos que gostam de se pôr em bicos dos pés e fazer-nos passar por parvos (ou pobres ignaros) ao referirem umas obscuridades quaisquer que pretendem fazer passar por coisas geniais que ninguém pode perder.

    1. De acordo. Fiquei tão irritado com a lista do Expresso que decidi menosprezar o Pet Sounds, mas o texto de Ricardo Saló, que glorifica o disco, tirou-me do sério. Pet Sounds é um bom disco, mas longe de ter mudado o panorama da música pop-rock!

      1. O Pet Sounds é simplesmente um grande disco. Está lá tudo. Daqui a 100 anos vão escrever que foi um dos melhores discos de música popular do sec. XX.
        O Revolver é o melhor disco dos The Beatles. Oiçam todos os outros e comparem. Atrás só fica o Rubber Soul. O Sargent… é um disco menos inspirado.

        A lista de discos do Expresso é obviamente pessoal. Eu atirar-me-ia ao ar se lá visse a vossa lista de melhores discos. Os meus gostos, graças a Deus, são diferentes dos vossos (poucas foram as vezes em que utilizei o nome de Deus tão pouco em vão como agora). Ainda bem que leio os críticos do Expresso faz muitos anos.

        Posso discordar da escolha do álbum dos Stones. Teria preferido o Exile…

        Quanto ao resto fiquei muito feliz pela publicação daquela lista. Como escrevi num email que enviei ao Henrique Monteiro, fiquei com um “sorriso molhado nos olhos”.

        Pedro Lopes

  2. Devo confessar que o “God Only Knows” é a minha música preferida dos Beach Boys, embora muito por razões pessoais.

    Mas quanto ao resto, tal como disse já no Facebook: estes especialistas escrevem uns para os outros e são todos uns hipsters, não podem mencionar nada que seja “mainstream”.

    1. Confessa à vontade; eu também gosto muito da canção mas o Sr. Saló afirma espantar-se como Brian Wilson conseguiu aquele som sem bateria e sem guitarras. Pois, foi com o melotron. E, também ele, gosta da canção por razões pessoais – mas, de um crítico, eu espero uma visão mais universal. Para opiniões pessoais, basto eu. E em 1967, podes crer que “Good Vibrations” deixou-nos de boca aberta e “God Only Knows” passou despercebido.

  3. Artur, não conhece o Milagre dos Peixes do Milton Nascimento? Recomendo vivamente.
    Pois é, além dos nomes que referiu gostaria de mostrar a minha estranheza por terem ignorado por exemplo os Genesis, Mody Blues, Paul Simon….

    1. Conheço canções do Milton, não conheço esse álbum como um todo. No que respeita a brasileiros, parei no Chico, no Vinicius, João Gilberto e Caetano.

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