“O Ruído do Tempo”, de Julian Barnes (2016)

Muito interessante, este romance de Barnes, que nos conta a história da relação difícil entre Chostakovitch e a ditadura soviética.

Começo por dizer que Chostakovitch é um dos meus compositores preferidos. Nos anos 70 do século passado, assistimos, no velho S. Luís, à 10ª Sinfonia e emocionei-me. Estávamos lá em cima, no chamado 2º Balcão e, no último andamento, quando as percussões entram em verdadeiro delírio, o músico da tarola, a rufar a toda a brida, deixa fugir uma baqueta, que voa por cima da orquestra, mas ele continua a bater furiosamente no instrumento até ao fim!

A relação de Chostakovitch com Estaline foi muito difícil e o compositor só não terá ido parar à Sibéria porque convinha, ao poder soviético, ter um músico oficial, que personificasse as ideias marxistas-leninistas em relação à arte, nomeadamente, à música. Ainda por cima, Stravinsky tinha sido um traidor e mudara-se de armas e bagagens para o inimigo, isto é, para os States.

Apesar de todas as pressões, Chostakovitch foi resistindo, acabando por ceder muitos anos depois, filiando-se no Partido Comunista na era de Krutchev, o Labrego (como era conhecido à boca pequena…).

O livro de Barnes é muito curioso porque vai contando esta história em pequenos parágrafos, por vezes com apenas meia dúzia de linhas.

E tem tiradas muito boas.

Como esta, sobre o facto de Chosta usar a ironia nas suas composições, como maneira de ludibriar a censura.

“Num mundo ideal, um jovem não devia ser uma pessoa irónica. Nessa idade, a ironia impede o crescimento, atrofia a imaginação. É melhor começar a vida com um estado de espírito animado e sincero, acreditar nos outros, ser franco acerca de tudo e com toda a gente. E depois, quando compreendemos melhor as coisas, desenvolver o sentido da ironia. A progressão natural da vida humana é do optimismo para o pessimismo; e o sentido da ironia ajuda a moderar o pessimismo, ajuda a produzir equilíbrio, harmonia.”

Ou esta, em que Chostakovitch diz o que pensa de Picasso, que apregoava o seu comunismo, mas que nunca viveu sob o jugo soviético:

“(…)tinha Picasso por sacana e por cobarde. Como era fácil ser comunista quando não vivíamos sob o comunismo! Picasso passara a vida a pintar as suas merdas e a celebrar o poder soviético. Mas ai de qualquer artistazinho, a sofrer sob o poder soviético, que tentasse pintar como Picasso.”

Chostakovitch nunca teve a coragem de enfrentar a ditadura. Ou, afinal, ser cobarde exige maior coragem?

“Mas não era fácil ser cobarde. Ser herói era muito mais fácil do que ser cobarde. Para ser herói era só preciso ser bravo por um momento – quando puxávamos da pistola, lançávamos a bomba, carregávamos no detonador, eliminávamos o tirano e a nós também. Mas ser cobarde era embarcar numa carreira que durava toda a vida. Nunca podíamos descansar. (…) Ser cobarde exigia tenacidade, persistência, recusa em mudar – o que tornava isso, de certa maneira, numa espécie de coragem”.

Para o fim da vida, Chostakovitch está cansado e desolado.

“(…)em que ponto é que o pessimismo se torna desolação? As suas últimas músicas de câmara formulavam essa pergunta. Disse ao violista Fyodor Druzhinin que o primeiro andamento do seu Quarteto nº 15 devia ser tocado «de modo que as moscas caiam mortas no ar e a assistência comece a abandonar a sala, de puro tédio»”

The Noise of Time foi editado pela Quetzal e tem tradução de Helena Cardoso.

Gostei muito.

Outras obras de Julian Barnes: Amor & Etc; Arthur & George; O Sentido do Fim

One thought on ““O Ruído do Tempo”, de Julian Barnes (2016)

  1. Não ser reacionário e decidir ser reacionário exige tenacidade, persistência, recusa em mudar – o que tornava isso, de certa maneira, numa espécie de coragem. Não é nada fácil. Prokofiev então teve um azar lixado. Foi logo morrer no mesmo dia em que morreu Staline. Todas as atenções se viraram para Staline e ninguém sabia da morte do grande músico que compôs os trechos de glória de Alexandre Nevsky só comparável ao herói da dança dos sabres. Quando se quer deixar de ser reacionário todas as dificuldades se erguem ante a cedência cega perante alguma autoridade. Felizmente que apareceu a Perestroika que devolveu à Rússia a sua saga revolucionário e hoje todos os comunistas do Degelo se arrependem e juntam de novo Staline e Mao numa convergência ímpar da História da Humanidade. A China, a Rússia, o Laos, o Vietaname, a Bielorússia, Cuba. Angola, África do Sul, Índia, Moçambique, Casaquistão, Mongólia e tantos outros estão reunindo numa convergência politica mas sobretudo económica que vão acabar por destruir o capitalismo e vão curar a doença do cão com o pelo do mesmo cão. Já têm em seu poder a maior fortuna do Mundo que é a dívida externa da América, estão comprando todas as empresas por todo o lado, Seguradoras, Bancos, Aeroportos passa tudo para as mãos desses reacionários. A coisa é tão fina que Jerónimo de Sousa já foi à China e não encontrou por lá o Arnaldo de Matos nem o Durão Barroso e de uma saltada foi ao Vietname e concluiu que Portugal é um país tão pequenino que nem perceberam o que ele ainda quis dizer sobre a EDP sobretudo depois de terem perguntado quantos habitantes havia em Portugal. 10 milhões? Isso é um pequeno bairro de Xangai. Nós todos juntos, BRICS incluídos somos quase 5 mil milhões de criaturas e ainda 70% do território mundial e representamos apenas 40% do PIB mundial. Voltem outra vez arrependidos da Revolução, deixem de ser reacionários porque um Novo Mundo está a chegar ao som de Prokofiev, de Mozart, de Chotakovitch, Mahler e de todos os grandes heróis nacionais. Para já o Estado Russo vai renovar 1.000 kilómetros de ferrovias em Cuba fora o perdão da dívida doa anos 60 e uma oferta de 300 Ladas novinhos em folha sem falar nas falências dos países capitalistas da Inglaterra à Suécia, da Grécia à Itália, da Alemanha à França, sem contar com os outros.

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