Crise Governamental

A Dona Maria Celeste Lacerda caiu naquela Comissão de para-quedas; uma colega que fazia parte da Comissão há quase quatro anos estava grávida em fim de tempo e pediu-lhe para que ela a substituísse.

Um pouco atarantada, assistiu às discussões entre os deputados dos vários partidos e, entusiasmada, começou a dar as suas opiniões: era para encostar o Partido do Governo à parede? Nesse caso, valia a pena aquela aliança estranha entre os da Direita e os da Esquerda.

A Dona Maria Celeste Lacerda e as suas colegas do Partido da Direita, bem como os elementos do Partido de Direita-Mas-Menos estavam esfusiantes – não era habitual estarem de acordo com os deputados do Partido da Esquerda, muito menos com os do Partido Ainda-Mais-de-Esquerda – e esse facto deixava-os excitados, como, quando adolescentes, experimentavam algo de proibido.

Depois de algumas horas de discussão, todos chegaram a acordo e aprovaram um decreto-lei. Só o Partido do Governo votou contra.

No final da reunião, os deputados dos partidos da Direita e da Esquerda estavam tão contentes que, por pouco, não foram festejar para o mesmo restaurante.

A Dona Maria Celeste Lacerda regressou a casa, onde a criada já tinha o jantar na mesa e telefonou à sua líder, que lhe deu os parabéns – tinham conseguido encostar o primeiro-ministro à parede.

O mesmo se passou com Germano Gonçalves, líder do Partido de Direita-Mas-Menos. Também ele estava contente e também ele telefonou para o seu líder, dando-lhe conta dos resultados da reunião da Comissão. Escutou elogios, agradeceu e retribuiu – a estratégia do Partido estava a resultar! O facto de se terem unido aos Partidos de Esquerda não era novo – já o tinham feito no passado e, como toda a gente sabe, em política, vale tudo.

Nessa mesma noite, no entanto, o primeiro-ministro apareceu nas televisões ameaçando demitir-se se o decreto-lei cozinhado pelos Partidos de Direita e Esquerda, fosse mesmo aprovado.

A Dona Maria Celeste Lacerda, estava a comer o pudim flan quando viu, na televisão, o primeiro ministro a ameaçar.

Germano Gonçalves estava a fazer Sudokus, sentado na sanita, quando ouviu, no rádio da casa de banho, a declaração do primeiro-ministro. Gonçalves detestava as casas de banho do Parlamento e só em casa conseguia aliviar-se.

Lacerda e Gonçalves tentaram contactar com os respectivos líderes, mas as chamadas foram para o voice-mail.

Conceição Crostas estava em Paris, com o telemóvel desligado, porque decidira jantar num Hipopotamus, perto da Ópera e não queria ser incomodada. Quanto a Rui Frio, o líder do Partido de Direita-Mas-Menos, estava a chatear-se em casa, sozinho, treinando “ares de estadista”.

No dia seguinte, quando percebeu que a coisa era grave, Conceição Crostas invectivou o primeiro-ministro, atacou o Partido do Governo e corou, enquanto Rui Frio continuava a treinar poses de Estado, só reagindo dois dias depois, numa conferência de imprensa em que surgiu com ar grave, apesar de continuar com o cabelo a cobrir o colarinho. Esquecera-se de ir ao barbeiro…

No final, tanto o Partido de Direita como o Partido de Direita-Mas-Menos acabaram por votar contra o decreto-lei que tinham redigido juntamente com os Partidos de Esquerda e o primeiro-ministro não se demitiu.

No dia seguinte, Rebelo Primeiro, o Comentador, recomeçou a falar, para descanso do povo…

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