“A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”, de Joel Dicker

Os críticos literários também são culpados por grandes barretes por omissão.

A Clara Ferreira Alves, por exemplo, escreveu um longo texto sarcástico a zurzir no novo best-seller de Dan Brown, Inferno, mas ainda não li nenhuma crítica sobre este calhamaço de Joel Dicker que, segundo diz a contra-capa, foi nº 1 de vendas em França, com mais de 750 mil exemplares.

Pelo contrário, li vários textos mais ou menos publicitários, incitando à leitura do livro, dizendo que era uma espécie de mistura de Philip Roth, Jonathan Frazer e Woody Allen, e que fazia lembrar o mistério de Laura Palmer.

Joel Dicker é um jovem escritor suíço, nascido em 1985 e, com este livro, arrebatou o Grande Prémio de Romance da Academia Francesa, o Prémio Goncourt des Lycéens e o Prémio da Revista Lire.

Chego à conclusão que a literatura em França anda muito por baixo.

harry quebertPorque A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert (editora Objectiva, 2013, trad. de Isabel St. Aubyn) é um mau livro.

No fundo, a coisa não passa de um policial de baixa qualidade, que nos conta a história do assassíno da jovem Nola Kellergan. A acção passa-se em Aurora, na Nova Inglaterra e qualquer comparação com Twin Peaks é pura demagogia. Nem a história tem a densidade dramática que tinha o mistério da série de David Lynch, nem as personagens são tão credíveis, nem o humor é tão refinado. Aliás, não há humor nenhum. O livro é obviamente escrito por um jovem inexperiente com muita sorte ou muito bem apoiado.

Dizer que a escrita faz lembrar Roth, Allen e Frazer é o pior insulto que se pode fazer àqueles três autores.

Tomem lá um exemplo da prosa:

«Nola pegou-lhe na mão e instalou-o no terraço. Levou-lhe papel, blocos de notas, canetas. Fez café, pôs ópera no gira-discos e abriu as janelas da sala para que ele ouvisse bem. Sabia que a música o ajudava a concentrar-se. Dócil, Harry ganhou coragem e decidiu recomeçar tudo; pôs-se a escrever um romance de amor, como se fosse possível, ele e Nola. Escreveu durante duas boas horas. As palavras surgiam sem esforço, as frases desenhavam-se na perfeição, de forma natural, brotando da caneta que dança sobre o papel».

Haverá coisa mais banal que isto? Só lugares comuns, frases feitas.

A infantilidade do texto chega a ser insultuosa, como neste naco:

«Bloqueio mental, Marcus, é o que é! As páginas em branco são tão estúpidas como os falhanços no desempenho sexual; é o pânico do génio, precisamente o que deixa o seu pénis completamente mole quande se prepara para brincar aos médicos com uma das suas admiradoras e só pensa em proporcionar-lhe um orgasmo de tal ordem que possa ser medido pela escala de Richter.»

Brincar aos médicos?!

Mas que raio de escritor de pacotilha é este Dicker?…

Enfim, Dicker é suíço mas escreveu um romance que se passa nos EUA.

Lá, nos EUA, Dicker podia ser usado como trocadilho, a partir da palavra dick, que pode significar pila ou palerma – dick head!

É o que este rapazinho suíço é, no fundo… um dick head

E assim nasce um best-seller, com a conivência dos críticos da nossa praça que, omissos, nada disseram, ainda, sobre este logro.

Ah, a propósito: quem matou a Nola Kellergan foi o Travis, o polícia.

Estava-se mesmo a ver…

9 thoughts on ““A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”, de Joel Dicker

  1. Boa noite, Artur.

    Foi muito útil este teu comentário, no seguimento de um outro feito por uma amiga francesa que o leu e também não gostou. Estive para comprá-lo pouco depois de ter saído em França. Apareceu por aqui na Livraria Francesa e na FNAC. Como tenho tanto coisa para ler e o assunto não me pareceu suficientemente apelativo, acabei por desistir e esperar eventualmente que estivesse disponível em edição francesa de bolso. Parece que fiz bem.
    Quanto ao nível geral da literatura em França, de facto anda um pouco por baixo há já alguns anos…
    Um abraço e bom feriado.

  2. Concordo plenamente, a única ideia de jeito é a de se ser reembolsado por um mau livro que era o que eu merecia com este.

  3. Pôxa, contar o fim é maldade, ainda não li todo! Mas concordo plenamente com a análise. Cheguei a me perguntar se o problema não estaria na tradução para o Português brasileiro. Comprei o livro também porque foi aclamado pela crítica, e me surpreendi ao encontrar um texto medíocre, com fórmulas cheias de clichês. Parece que o autor ficou com preguiça de desenvolver as personagens.

  4. Realmente belo critico que temos aqui! Sem dúvida nenhuma que não há coisa mais triste do que o autor deste artigo ter revelado o final do livro! Muito bem… Limita-te a dizeres o que pensas sem estragares a leitura dos outros…

Leave a Reply to Artur Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.