“Vejam Como Dançamos”, de Leila Slimani (2022)

Depois do êxito de O País dos Outros, que venceu o Prémio Goncourt, a expectavia era grande em relação a este segundo volume da saga de Mathilde e Amine, uma alsaciana que se casou com um marroquino, indo viver para o norte de África, enfrentando todas as grandes diferenças civilizacionais entre as suas raízes e as do seu marido marroquino.

Este segundo volume não me marcou tanto como o primeiro, talvez porque a escrita de Slimani já me fosse conhecida de outros livros, como em Canção Doce e No Jardim do Ogre.

Apesar disso, gostei bastante deste segundo volume da saga da família Belhaj. Acompanhamos o crescimento de Aicha, que se forma em Medicina e se casa com Mehdi, a emancipação de Selim, que, seguindo o movimento hippie, sai de casa e acaba nos Estados Unidos, país que Amine, seu pai, gostaria de ter conhecido.

Seguimos o envelhecimento de Mathilde, que engorda e aceita que  Amine tenha amantes, mas que vai conseguindo algumas conquistas, como ter uma piscina na propriedade cada vez maior do seu marido.

Não há dúvida que Slimani escreveu uma obra épica e, com o aparecimento de novas personagens, como o marido de Aicha e a sua relação ambígua com o Poder do rei Hassan II, poderemos vir a ter um terceiro volume desta saga.

“Paraíso”, de Abdulrazak Gurnah (1994)

Gunarh (Zanzibar, 1948) ganhou o Prémio Nobel em 2021 pelo conjunto da sua obra e pelo modo como aborda o colonialismo, o destino dos refugiados e o fosso cultural entre continentes.

Este romance foi finalista do International Booker Prize em 1994 e conta-nos a história de Yusuf. Para pagar uma dívida, o pai de Yusuf entregou-o a um comerciante, saldando assim essa dívida. Yusuf passou assim a ser propriedade do comerciante, trabalhando numa das suas lojas e, mais tarde, acompanhando-o numa viagem através da selva africana para fazer comércio com diversos sultões, enfrentando diversas aventuras.

Não sabemos em que época esta história se desenrola, mas sabemos que há colonos alemães e ingleses que, a pouco e pouco, estão a tomar conta das terras africanas, fazendo escravos, que negoceiam entre si.

Yusuf vai crescendo e amadurecendo, mas sem nunca conhecer a liberdade, já que ele pertence ao comerciante.

Um livro diferente.

“Como Fazer Amor com um Negro sem se Cansar”, de Dany Laferrière (1985)

Dany Laferrière nasceu no Haiti em 1953, emigrou para o Canadá e fixou.se em Montreal em 1976. Trabalhou em fábricas dos subúrbios e foi lendo os seus autores preferidos, entre os quais se destaca Henry Miller.

Este pequeno livrinho com um título bem provocatório faz lembrar, de vez em quando, a escrita torrencial do Miller – mas só de vez em quando.

Tudo se passa à volta de um negro que está a escrever um romance, do seu companheiro de quarto, uma espécie de guru muçulmano que passa a vida a dormir e de muitas raparigas brancas – raparigas universitárias que, pelos vistos, adoram foder com pretos. Segundo a personagem principal do livro, Cota, parece que as universitárias brancas de Montreal têm uma obsessão pelos negros e querem ir com eles para a cama. O resto, são congeminações sobre literatura, poesia, versículos do Corão, muito vinho e cerveja.

Um pequeno livro curioso.

“Lições”, de Ian McEwan

Lições foi o melhor livro que li neste último ano. Ian McEwan é um dos meus autores preferidos e este calhamaço de 650 páginas excede as expectativas

O livro conta-nos a história de Roland Baines, desde que, aos 11 anos, é seduzido pela sua professora de piano, Miss Miriam Cornell, até à sua velhice, depois de passar por muitos episódios marcantes, ao mesmo tempo que se assinalam os diversos acontecimentos da actualidade: a crise dos mísseis de Cuba, a queda muro de Berlim, Chernobyl, Margareth Tatcher, Angela Merkel e, finalmente, a pandemia do covid 19.

A sua relação com a professora de piano vai ser marcante para a sua vida. Entre os 14 e os 16 anos, Miriam Cornell toma Roland como seu escravo sexual. Ele consegue libertar-se, mas essa memória vai perdurar por toda a vida. Mais tarde, outro episódio também deixa marcas: a sua mulher abandona-o, a si e a um filho de meses, porque se quer tornar uma grande escritora. E já quase no fim da vida, enfrenta a morte inesperada de uma última companheira.

O livro tem passagens que merecem ser citadas e aponto aqui apenas algumas, caso contrário, teria que transcrever quase todo o livro.

Na página 32, Roland fala do cocó do filho Lawrence:

“Sem fazer barulho, Lawrence fez cocó enquanto dormia. O cheiro não era assim tão mau. Uma das descobertas da meia-idade – o quão depressa começamos a tolerar a merda da pessoa que amamos. É uma regra geral.”

Eu acrescentaria: é dos livros!

Àcerca da relação entre pais e filhos, nos anos 1950:

“Nos anos cinquenta, muitos pais não eram muito próximos dos filhos, especialmente das filhas. Abraços, expressões de amor, eram considerados demasiado vistosos, demasiado embaraçosos. A sua própria infância foi típica. Palmadas nas pernas, no rabo, eram comuns. As crianças, por muito amadas que fossem, tinham de ser educadas e não ouvidas.”

Sobre a relação especial de Roland com uma das suas netas:

“Ficava comovido pela forma como ela o procurava para lhe apresentar as suas reflexões solenes ou as suas perguntas ponderadas, ou para insistir que ele se sentasse ao lado dela nas refeições. Queria saber coisas do seu passado. Ficava fascinada pelas evidências claras da pujante vida interior de uma criança de seis anos. (…) Achava que Stefanie o considerava um bem antigo e extremamente precioso, cuja existência frágil tinha o dever de conservar. Sentia-se lisonjeado sempre que ela lhe dava a mão.”

Finalmente, quando Roland enfrenta a lenta e dolorosa agonia da pessoa que ama, fala sobre a eutanásia.

“Tinham passado dois séculos antes de o establishement ter achado que valia a pena olhar por um microscópio para examinar os microrganismos que Antoine van Leeuwenhoek tinha descrito em 1673. Estava contra a higiene porque era um insulto à profissão, contra a anestesia porque a dor era um elemento de doença dado por Deus, contra a teoria germinal da doença porque Aristóteles e Galeno pensavam o contrário, contra a medicina baseada na evidência porque não era assim que as coisas eram feitas. Agarraram-se às sanguessugas e às sangrias durante o máximo tempo possível. Em meados do século XX, defenderam a amigdalectomia maciça das crianças, apesar das provas. Um dia, eles chegariam ao direito de uma pessoa racional escolher a morte em vez de uma dor insuportável e impossível de amenizar.”

Livro que deve ser lido já!

Outros livros de McEwan: A Barata; Máquinas Como Eu; Numa Casca de Noz; A Balada de Adam Henry; Mel; Na Praia de Chesil; Cães Pretos; Entre os Lençóis; O Jardim de Cimento; Solar

“HIstórias Bizarras”, de Olga Tokarczuk (2008)

A Cavalo de Ferro continua a publicação desta escritora polaca, vencedora do Prémio Nobel em 2019.

Como o nome indica, este livro, editado já há 14 anos, contém um conjunto de histórias estranhas.

Como diz a contracapa: “um médico escocês do século XVII, ao serviço do rei da Polónia, descobre uma estranha raça de crianças verdes. Uma família de quatro mulheres idênticas, que se podem ligar e desligar, vê a sua rotina ser perturbada pelo aparecimento de dois vizinhos. Um mundo onde impera o uso do metal mantém a sua ordem graças ao sacrifício de um misterioso semideus com mais de trezentos anos. Uma mãe deixa uma estranha herança de vários frascos de conserva ao aseu filho preguiçoso”.

São, de facto, histórias bizarras, umas mais bem conseguidas do que outras.

Apesar de serem histórias em que impera o lirismo próprio de Tokarczuck, prefiro os seus romances.

Outros livros de OPlga Tokarczuk: “Casa do Dia, Casa de Noite“; Outrora e Outros Tempos; Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos; Viagens;

“Os Anos”, de Annie Ernaux (2008)

Annie Ernaux terá concluído este livro quando tinha 66 anos, após a sua aposentação. Já nas páginas finais deste livro, escreve:

“De um dia para o outro, as aulas redigidas, as notas de leitura para as preparar, deixavam de ter qualquer utilidade. Por falta de uso, os conceitos antes adquiridos para explicar os textos apagavam-se nela – e quando procurava em vão o nome de uma figura de estilo, era obrigada a confessar, como a sua mãe fazia a propósito de uma flor da qual lhe escapava o nome, «já soube»”.

E mais à frente:

“Já lhe acontece, quando tenta lembrar-se das colegas do liceu na montanha, onde deu aulas durante dois anos, ver algumas silhuetas, rostos, por vezes até com extrema precisão, mas é-lhe impossível «dar nome». Desespera para tentar encontrar o nome que falta, para fazer coincidir uma pessoa com um nome, como se conciliam duas metades separadas.”

Como eu a compreendo! Passa-se o mesmo quando vejo na rua um ex-doente meu, que reconheço imediatamente, mas cujo nome se perdeu algures no espaço e no tempo, ou quando tento lembrar-me do nome de um medicamento ou até de um síndroma.

Este livro de Annie Ernaux é uma espécie de diário; são pequenos fragmentos que contam pequenos episódios a partir de uma foto, ou de uma notícia de jornal, ou de um filme, de uma canção, de um jingle comercial. Começa nos anos 40, pouco depois da Segunda Guerra e vai caminhando ao longo dos anos (daí o titulo do livro), até 2006.

Logo na página 31, escreve:

“Não se deitava nada fora. Os baldes da noite serviam de estrume no jardim, o esterco apanhado na rua depois de passar um cavalo servia de adubo para os vasos das flores, o jornal servia para embrulhar legumes, secar por dentro os sapatos molhados, limpar o rabo na casa de banho.”

Mais à frente, página 40:

“O sexo era a grande suspeição no seio da sociedade, que via sinais dele por todo o lado: os decotes, as saias travadas, o verniz vermelho das unhas, a roupa interior preta, o biquíni, a mistura de sexos, a obscuridade das salas de cinema, as casas de banho públicas, os músculos do Tarzan, as mulheres que fumam e traçam a perna, o gesto de passar a mão pelos cabelos na sala de aula, etc.”

E muito mais à frente, como último exemplo do modo como Ernaux escreve este “diário” (página 140):

Os filhos, sobretudo os rapazes, dificilmente largavam o ninho familiar, o frigorífico cheio, a roupa lavada, o ruído de fundo das coisas da infância. Faziam amor, com todo o à-vontade, no quarto ao lado do nosso. Instalavam-se numa juventude longa e duradoura, o mundo parecia não estar à sua espera. E nós, alimentando-os, continuando a cuidar deles, tínhamos a sensação de estarmos a viver, sem rutura, no mesmo tempo de sempre.”

Sem nunca se referir a ela própria especificamente, mas sim a um conjunto de pessoas que poderão ser a sua geração, Ernaux vai referindo os acontecimentos da política, a eleição de Mitterand, depois de Chirac, depois de Sarkozy, a evolução da tecnologia até ao telemóveis e os computadores, as modas, os programas de televisão, as canções, não esquecendo praticamente nada de importante, a não ser, talvez, o 25 de Abril – já que fala na queda da ditadura grega, por exemplo.

É um livro muito interessante, que foi finalista do Man Booker Internacional de 2009, e que poderia ainda ser mais interessante se não fosse “tão francês”, uma vez que a autora refere nomes de apresentadores de televisão e respectivos programas e outros acontecimentos (guerras da Indochina e da Argélia) que dizem respeito apenas aos franceses. Vale a pena ler.

“Tudo é Possível”, de Elizabeth Strout (2017)

Este é o terceiro livro da série Lucy Barton, da autoria de Elizabeth Strout.

Começámos pelo fim, “Oh William”, de 2021 e, como o livro nos despertou curiosidade, lemos o primeiro da série, “O Meu Nome é Lucy Barton”, de 2016.

Se nos outros dois livros desta série, Lucy Barton, a escritora que veio de uma família extremamente pobre, é a narradora, neste “Tudo é Possível”, ficamos a conhecer as histórias de outras personagens que Barton refere nos seus livros.

São histórias simples de pessoas simples e Lucy Barton surge apenas como personagem periférica dessas histórias.

Dos três livros, este pareceu-me o menos interessante…

“O Acontecimento”, de Annie Ernaux (2000)

Confesso que nunca tinha ouvido falar de Annie Ernaux. Claro que o facto de esta escritora francesa , nascida na Normandia em 1940, ter ganho o Nobel deste ano, me despertou a curiosidade – sobretudo depois de ter lido uma entrevista sua que veio publicada no Expresso.

Comecei por ler este “O Acontecimento”, publicado há 22 anos. É um livrinho que se lê num par de horas porque não chega às 90 páginas.

Ernaux, que afirma que todos os seus livros são biográficos, tem a coragem de contar como, em 1963, se submeteu a um aborto clandestino, que a fez sentir-se humilhada, abandonada e em risco de vida. Afinal, ela era uma estudante universitária e, no entanto, no que respeita ao problema que enfrentava, tanto fazia.

Embora nunca tenhamos passado por nada de semelhante, sabemos muito bem o que era, uma década depois, continuar a basear a anticoncepção no famoso método Ogino e não ter ninguém que nos informasse melhor.

Annie Ernaux descreve os factos numa linguagem simples, mas emotiva e consegue transmitir-nos a angústia por que passou nesses tempos.

Vou já iniciar a leitura de mais um livro desta escritora francesa.

“A Mulher de Cabelo Ruivo”, de Orhan Pamuk (2016)

Dez anos depois de receber o Prémio Nobel, Pamuk publicou este livro que gira todo em torno do mito de Édipo e da lenda de Shahnameh. Enquanto naquele é o filho que mata o pai, nesta lenda oriental, é o pai que mata o filho.

O livro está dividido em três partes; nas duas primeiras, o narrador é Cem, que, em jovem, antes de entrar para a Faculdade, esteve a ajudar um mestre a escavar um poço, em busca de água. Durante esse mês em que esteve a ajudar nas escavações, Cem conheceu uma mulher de cabelo ruivo, dez anos mais velha, com a qual acabou por se envolver sexualmente. Ela era actriz e representava uma cena do Shahnameh que fazia a assistência chorar.

Entretanto, a escavação acabou mal: quando o mestre escavava no fundo do poço, Cem deixou cair o balde em cima dele, pensou tê-lo matado e abandonou o local, sem o socorrer.

Mais tarde, Cem tornou-se um grande empresário da construção civil. Casado e sem filhos, passou os seus tempos livres a viajar pelo mundo com a mulher, procurando livros, pinturas, esculturas, que tivessem a ver com o mito de Édipo. No auge do seu sucesso como empresário, decidiu comprar os terrenos onde estava o poço que ajudou a escavar e acabaria por descobrir que, afinal, tinha um filho.

Como diz o Evening Standart na contracapa: “uma intensa parábola política que nos diz muito sobre a Turquia actual”.

Sinceramente, não me entusiasmou muito…

Outro livro de Pamuk: O Museu da Inocência (2008)

“O Meu Nome É Lucy Barton”, de Elizabeth Strout (2016)

Depois de ter lido “Oh William!”, fiquei com curiosidade em ler os dois livros anteriores que Elizabeth Strout escreveu, dando vida à personagem da escritora Lucy Barton.

Neste primeiro livro, Lucy conta episódios passados durante o seu internamento de 9 semanas num hospital, devido a uma apendicite que correu mal. Nesse internamento, Lucy é visitada pela mãe, que vive longe e a quem não via há anos. Lucy nasceu num meio pobre; ela, os pais e os irmãos, viveram numa garagem durante anos e a relação de Lucy com os pais sempre foi muito má, com muita falta de carinho.

Apesar de ser uma escritora com algum sucesso, Lucy não deixou de ser uma mulher simples e isso reflecte-se na sua escrita. Ao longo de 170 páginas, E. Strout, pela voz de Lucy B, vai-nos contando episódios da vida, como se estivesse sentada connosco, na nossa casa.

Elizabeth Strout encontrou um tom e conseguiu explorá-lo bem, pelo menos, nestes dois livros.