“Baumgartner”, de Paul Auster (2023)

Auster é outro dos meus autores contemporâneos preferidos, a par de Philip Roth, mas este livro não merece ombrear com muitos outros que já li. Aliás, penso que li todos os livros de Auster publicados em Portugal, excepto o penúltimo A Vida Interior de Martin Frost.

Paul Auster está a envelhecer (tem 76 anos) e este Baumgartner tem o envelhecimento como tema central.

Baumgartner é um professor universitário e escritor de setenta e poucos anos, que perdeu a mulher há dez anos, mas que continua a viver com ela no seu pensamento. Chamava-se Anna e também era professora e poeta e tradutora. Curiosamente, traduzia poemas de Fernando Pessoa (página 63):

“(…) o Prémio Pen de Tradução atribuído em 1997 a Anna pelos seus Selected Poems of Fernando Pessoa…”

Todo o livro gira à volta do dia-a-dia de Baumgartner que, a propósito disto e daquilo vai recordando episódios da sua vida, o que torna o livro um pouco repetitivo e maçador.

Às tantas, Baumgartner inicia um curto relacionamento com outra professora (o livro é só professores universitários, cientistas e outros que tais) e aqui, salvo melhor opinião, Paul Auster mete o pé na argola.

Na página 86 diz:

“Com Anna, a diferença de idades fora apenas de dois anos e meio. Com Judith é de dezasseis, e aos quarenta e quatro anos ela ainda corre a toda a velocidade, ao passo que ele já não corre, arrasta os pés (nos seus melhores dias) e chega mesmo a rastejar (nos piores).”

Ora, fazendo as contas, se Judith tem 44 anos e Baumgartner tem mais 16, terá 60 anos. e, pelos vistos, aos 60 anos, já não pode com uma gata pelo rabo.

O problema é que, na página seguinte, Auster diz o seguinte:

“E quando pensar (a Judith) em como a vida se lhe apresentará daqui a dez ou vinte anos, a perspectiva de dormir ao lado de um homem de oitenta ou noventa anos pode levá-la a fugir a sete pés”.

Se Baumgartner, na página anterior, tinha 60 anos, como é que aqui aparece com 80 ou 90?

Parece-me que Auster é que já não pode com uma gata pelo rabo…

Aconselho apenas aos fãs.

Outros livros de Paul Auster: 4 3 2 1; Relatório do Interior; Diário de Inverno; Palácio da Lua; Sunset Park; Invisível; Homem na Escuridão; Mr. Vertigo; Viagens no Scriptorium; As Loucuras de Brooklyn; O Livro das Ilusões; Experiências com a Verdade; Timbuktu

“4 3 2 1”, de Paul Auster (2017)

Acabei, finalmente, a leitura do último livro de Paul Auster, um calhamaço de 870 páginas, candidato ao Booker Prize deste ano.

Gosto de Auster e penso que já li todos os seus livros. Gostei, sobretudo da Trilogia de Nova Iorque, mas há muitos outros títulos que merecem destaque (ver no fim deste texto).

Paul Auster sempre gostou de destacar a influência do acaso na vida das pessoas; como a nossa vida pode mudar devido a um episódio fortuito que muda completamente o rumo dos acontecimentos. Neste calhamaço, o escritor decidiu desenvolver esta sua obsessão.

Que pena não podermos viver mais do que uma vida! De facto, uma única vida parece pouco para realizarmos tudo o que sonhamos!

O herói deste romance é um judeu chamado Archie Ferguson. Paul Auster deu-lhe quatro vidas diferentes. Numa delas, o pai de Ferguson é dono de uma loja de electrodomésticos e morre dentro dessa loja, durante um incêndio; noutra, o pai é um excelente homem de negócios e vai abrindo sucursais e acaba por se tornar um tycoon do ramo; numa outra das vidas possíveis, o pai de Ferguson mantém-se um simples e honesto comerciante.

Um dos Ferguson morre, vítima de um raio, durante uma tempestade, quando ainda é adolescente; outro, morre atropelado em Londres, ao atravessar uma rua, depois de olhar para o lado errado; o terceiro Ferguson morre num incêndio. Daí o título: o livro começa com 4 vidas que acabam por ser uma única.

Todos nós passámos por isto: e se eu tivesse feito isto, em vez daquilo, se tivesse aceite esta proposta e não aquela, se tivesse ido por ali, em vez de ter ido por aqui? Como seria a minha vida se?…

Ao contar as histórias destes quatro Ferguson, Auster aproveita para contar, também, um pouco da História dos Estados Unidos, com especial incidência nos anos 60 do século passado; Ferguson nasce em 1947 e, nos anos 60, está em plena adolescência e, conforme a versão da sua vida, está mais ou menos envolvido nas actividades políticas, nas manifestações estudantis, na luta contra a guerra do Vietname.

É, sem dúvida, uma obra de fôlego, até pela dimensão, e uma ideia muito bem esgalhada; no entanto, penso que não seria preciso escrever tantas páginas. Auster, por vezes, perde-se nos pormenores dos primos e primas do herói, das minudências do dia-a-dia, sendo demasiado exaustivo nas descrições, o que torna a leitura um pouco fastidiosa. Quantidade não é obrigatoriamente qualidade e, embora, hoje em dia, me pareça que os escritores se sentem obrigados a escrever verdadeiros tijolos, um pouco mais de comedimento não fazia mal nenhum.

Vale a pena ler, mas é preciso um bom bícepete para segurar o calhamaço…

Outras obras de Paul Auster: Timbuktu; Experiências com a Verdade; O Livro das Ilusões; As Loucuras de Brooklyn; Viagens no Scriptorium; Mr. Vertigo; Homem na Escuridão; Invisível; Sunset Park; Palácio da Lua; Relatório do Interior; Diário de Inverno

“O Mundo Ardente”, de Siri Hustved (2014)

1150733bSiri Hustved (Minnesota, 2014) é autora, até agora, de cinco romances, um livro de poesia, dois livros de ensaios e mais umas quantas obras de não-ficção, mas acaba muitas vezes por ser conhecida pelo facto de estar casada com Paul Auster…

Talvez por isso, tenha escolhido este tema para o seu último romance.

mundo ardenteThe Blazing World é sobre Harriet Burden, uma artista-performer nova-iorquina, mais conhecida por ser a mulher de um marchant famoso.

Para que as suas obras fossem reconhecidas, Harriet pediu sucessivamente a três homens para assinarem por ela, como se fossem eles os autores – e as três exposições que daí nasceram foram sempre um sucesso. E Harriet sempre acreditou que tal só era possível porque os autores eram homens; se os críticos soubessem que a autoria das obras pertencia a uma mulher, tudo passaria despercebido.

E, de facto, é difícil recordarmo-nos de pintoras, escultoras, artistas plásticas em geral, do sexo feminino.

O Mundo Ardente, formalmente, é diferente do habitual: cada capítulo é um testemunho escrito, ou uma entrevista de alguém que conheceu e conviveu com Harriet ou, então, pedaços dos muitos cadernos que Harriet escreveu. E a pouco e pouco vamos construindo o puzzle da vida de Harriet.

Uma obra interessante, embora o mundo das artes plásticas, as suas guerras e tricas, que me parecem muito nova-iorquinas, esteja um pouco longe dos meus interesses.

“Relatório do Interior”, de Paul Auster

Depois de Diário de Inverno (2011),  Paul Auster continua em registo de diário com este Report from the Interior (2013), no entanto, não gostei tanto deste como daquele.

relatorio do interiorEnquanto no Diário de Inverno, Auster relata as suas memórias de infância, contando episódios curiosos, relacionando-os com os acontecimentos da História dos EUA e do Mundo, em Relatório de Inverno, o escritor norte-americano detém-se sobre a sua adolescência e os primeiros anos da idade adulta e grande parte do livro baseia-se nas cartas que escreveu à sua namorada de então e que viria a ser a sua primeira mulher, Lydia Davis – a qual se tornou famosa como autora de contos (ver Contos Completos).

No entanto, o livro não deixa de ser interessante, sobretudo para quem, como eu,  gosta de Auster e leu quase toda a sua obra.

Percebe-se, por exemplo, por que razão ele é considerada como um dos escritores americanos mais “europeu”. No livro, Auster fala-nos dos tempos que passou em Paris, das suas traduções de poetas franceses, que lhe permitiu ganhar algum dinheiro, numa altura em que estava falido e não consegue evitar palavra amargas sobre a América, como estas:

«A América era perfeita. A América vencera a guerra e mandava no mundo, e a única pessoa má que alguma vez produzira era Benedict Arnold, o traidor infame que se virara contra o seu país e cujo nome era injuriado por todos os patriotas. Todas as outras figuras históricas eram sábias e boas e justas. Cada dia trazia mais progresso, e por muito extraordinário que o passado americano tivesse sido, o futuro era ainda mais promissor. Nunca te esqueças da sorte que tens. Ser americano é participar no maior empreendimento humano desde a criação do homem».

O livro inclui, no seu final, uma série de fotos relacionadas com alguns dos factos narrados pelo autor.

“Diário de Inverno”, de Paul Auster (2011)

Para quem nunca leu nenhum livro de Paul Auster, este não é o melhor para começar.

Trata-se de um livro intimista, talvez demasiado intimista para quem não conheça este escritor norte-americano.

Para quem, como eu, o conheço de ginjeira, tendo lido todos os seus livros, este pequeno livrinho foi uma maneira de me reconciliar com Auster, depois da semi-desilusão que foi Sunset Park (2010).

Em Winter Journal, Auster fala consigo mesmo e vai recordando episódios da sua vida, desde a infância (problemática, pelos vistos), até aos dias de hoje.

Mais em jeito de autobiografia do que de diário, Auster conta episódios divertidos, momento de angústia, acidentes de automóvel, quedas, encontros amorosos, cenas de pancadaria, viagens, refeições e tudo com muita simplicidade; às tantas, parece que estamos a ouvir um amigo a contar-nos a sua vida.

E Auster vai ao pormenor de nos contar coisas tão comezinhas como daquela vez que estava muito aflito para urinar e não tinha onde nem como, porque ia no banco de trás do carro da família, com a mãe ao volante e ela já tinha dito que não ia parar por causa da sua urgência urinária. E foi assim, que Auster, já com 15 anos, ouviu a sua mãe ordenar-lhe que se mijasse pelas pernas abaixo. A propósito deste episódio, o escritor lembra as últimas palavras proferidas pelo pai de um seu amigo: «Lembra-te, Charlie! – disse – nunca percas uma oportunidade de mijar!».

É a narração deste e de outros episódios, simples e corriqueiros, que tornam este pequeno e honesto livro, uma obra indispensável para quem gosta de Paul Auster.

“Palácio da Lua”, de Paul Auster (1989)

Se este tivesse sido o meu primeiro romance de Auster, de certeza que teria ficado agradavelmente surpreendido. Acontece que Moon Palace é o meu 16º romance de Paul Auster e só agora o li porque esteve fora da circulação alguns anos.

Como é habitual nos romances de Auster, o acaso impera.

Marco Stanley Fogg, que chega a Nova Iorque em 1965, com 18 anos, procura trabalho para custear os seus estudos universitários. Respondendo a um anúncio, torna-se acompanhante de um intelectual idoso, que se desloca em cadeira de rodas e que tem um temperamento irascível. Fogg vai descobri mais tarde que esse homem é, afinal, o seu avô e, no decurso dessa descoberta, acaba por descobrir também o seu pai.

Pelo meio, Auster conta-nos inúmeras histórias e ficamos com a sensação que a mente do escritor fervilha de episódios, acontecimentos, casos, vidas e que ele próprio tem dificuldade em filtrar o que é importante e é acessório e a trama central fica de tal modo enredada nas histórias laterais que, no final, não és capaz de fazer um resumo coerente do livro.

Esse “defeito” das histórias de Auster parece-me exacerbado neste livro e, embora eu goste, em geral, das obras dele, esta história não me entusiasmou muito.

“Sunset Park”, de Paul Auster

Auster já tem uma legião de seguidores em Portugal, o que lhe permite ter todos os seus livros traduzidos e editados por cá, mal saem nos EUA. O mesmo não acontece com Philip Roth, que tem um novo romance que só será editado por cá no próximo ano…

Claro que Auster merece. É um notável contador de histórias e, ainda por cima, é simpático, dá entrevistas a toda a gente, gosta da Europa e é pouco americano.

Este “Sunset Park”, no entanto, é mais do mesmo. Como este, já Auster escreveu vários romances.

A história gira à volta de quatro jovens adultos que ocupam uma casa abandonada em Sunset Park, Nova Iorque. São dois homens e duas mulheres mas não são dois casais. Cada um tem a sua história, o seu drama pessoal, as suas dúvidas existenciais e Auster vai-nos dissecando as suas dúvidas e angústias; cada capítulo é dedicado a uma das quatro personagens principais e mais duas ou três acessórias.

Como também já é habitual nas narrativas de Auster, a história acaba abruptamente, sem um fim “como deve ser”.

Já li coisas muito melhores escritas por ele.

“Invisível”, de Paul Auster

invisivelLi críticas que diziam que este era o melhor romance de Paul Auster dos últimos tempos.

Não estou de acordo. Gostei mais de “Viagens no Scriptorium” ou de “As Loucuras de Brooklyn”.

Este “Invísivel” é mais um romance à Auster, em que se cruzam diversas histórias, que têm princípio, meio, mas não têm fim. De facto, o livro termina abruptamente, muito mais que outros, como, por exemplo, “A Trilogia de Nova Iorque”.

Depois, uma das histórias parece-me um pouco forçada. Auster descreve, de modo muito gráfico, as aventuras sexuais de uma irmão e de uma irmã. Se estava com vontade de descrever práticas de sexo oral, ejaculações e orgasmos diversos, não precisava de pôs dois irmãos a fazê-lo. O incesto em nada melhora ou faz andar a história e parece, apenas, servir para “épater le bourgeois”.

Por outro lado, ao contrário de muitos outros romances de Auster, parece-me que, neste “Invisível”, as personagens não têm muita substância, o que faz com que as histórias, embora curiosas e inteligentes, acabem por soar a pouco verosímeis.

Enfim, achei o Paul Auster em baixo de forma.

“Homem na Escuridão”, de Paul Auster

Na contracapa deste livro, há a citação de uma crítica que diz: “Brilhante… Provavelmente o melhor romance de Paul Auster. Um doloroso somatório de todos os seus livros”.

Não podia estar em maior desacordo.

Penso que este é o pior dos livros de Auster que já li (e já li onze dos seus livros).

Um homem de 70 anos, insone, está deitado, na escuridão do seu quarto. Para se entreter, começa a engendrar a história de um tipo que, de repente, acorda numa América do futuro, em guerra civil. A ideia é boa, como quase todas as ideias de Auster mas, a páginas tantas, parece que não conseguiu desenvolver a história, deixa-a morrer e começa a contar outras histórias relacionadas com o insone.

No último terço do livro, mais ou menos, o protagonistas conta à neta, também ela insone, a história do seu amor pela sua defunta mulher, da separação dos dois e da reconciliação. E é tudo muito banal, muito história de telenovela, sem emoção, sem graça.

Um livro falhado, na minha opinião.

“Mr. Vertigo”, de Paul Auster

Livro editado em 1994, foi agora reeditado em Portugal. Auster está na moda e ainda bem, para que todos os seus livros esgotados fiquem disponíveis.

Como é habitual “Mr. Vertigo” é mais uma história bem contada. O livro é escrito na primeira pessoa. Mr. Vertigo conta a sua própria história, desde os 9 anos, altura em que foi acolhido (quase raptado) por um judeu húngaro, o Mestre Yehudin, que o ensinou a voar.

Claro que a história é uma alegoria da vida e da América. Qualquer um de nós «pode voar», desde que tenha força de vontade e que trabalhe para isso e, na América, todos os sonhos são possíveis.

Ao mesmo tempo que vai contando as peripécias de Walter Rawley, o Rapaz Prodígio, como aprendeu ele a voar, como, mais tarde, teve que abandonar essa arte para não ser castrado, como se virou no mundo dos negócios escuros de Chicago, como se reformou e viveu feliz para sempre, cuidando de uma espécie de mãe adoptiva, que acabou por ser, também, sua amante, Auster conta, também, um pouco da história da América, a Recessão, a Segunda Guerra Mundial, os anos 70 e 80.

O livro está cheio de frases feitas, de expressões idiomáticas e, embora não conheça o texto original, parece-me competente, a tradução de José Vieira de Lima.