Um procurador que faz rimas

A notícia do Expresso é quase incrível.

Saiu ontem e diz assim: «O magistrado chegou vinte minutos atrasado ao julgamento de um caso banal, ouviu um reparo da juíza e justificou-se com o despertador do telemóvel, que não tocou. Depois, mandou o funcionário judicial ir ao casaco buscar umas folhas e disse dez quadras que escreveu durante a viagem de metro até ao tribunal cível de Lisboa».

Tudo isto já parece impossível, mas o jornalista Rui Gustavo (rgustavo@expresso.impresa.pt) faz questão de desenvolver a notícia e de nos presentear com quatro das dez quadras que o procurador José Vaz Correia escreveu.

A qualidade das quadras fica logo atestada por esta:

“Os comboios já vão cheios / muitos se levantam cedo
nas mulheres aprecio os seios / mas têm outro enredo”

Pausa para podermos reler a quadra e imaginar o procurador a lê-la, em voz alta, para a juíza – ou melhor ainda, para imaginarmos este membro de um órgão de soberania, sentado no metro, a escrever esta quadra.

As outras duas quadras têm, também, fino recorte literário, mas a minha preferida é esta:

“São sete e pouco da manhã/ viajo de Metro para o trabalho
fi-lo ontem, farei-o amanhã /só sou aquilo que valho”

“Farei-o”?!

Do verbo farar?!

A notícia continua dizendo que «o procurador pôs baixa médica e não tem estado no tribunal».

Deve estar a aprender a escrever português…

País de poetas…

País de patetas…

Silly judge season

É tradicional: o mês de Agosto é o mês de notícias ainda mais patetas.

Há pouco material noticioso, a não ser os incêndios, a violência doméstica (24 mulheres assassinadas desde Janeiro pelos respectivos companheiros), a catástrofe dos incêndios na Rússia, as inundações na Polónia, na Alemanha e no Paquistão, o regresso de Fidel Castro, após quatro anos de retiro, a possível tensão bélica entre a Venezuela e a Colômbia, a divulgação na comunicação social de milhares de documentos secretos do exército norte-americano – mas, enfim, sem ser isto, que não interessa nada, pouco há para noticiar.

É, portanto, nestas alturas, que os jornais e as televisões se viram mais para os fait-divers, para a pequenina notícia idiota que, em outras alturas, passaria despercebida.

Chama-se a isto a silly season.

Mas esta silly season tem um atractivo: os juízes.

Não se entendem.

Por causa do Freeport, zangaram-se a sério. De um lado, Pinto Monteiro e Cândida Almeida; do outro, o sindicatos dos juízes.

Os procuradores encarregados do Freeport arquivam o processo, publicando um despacho em que dizem que não tiveram tempo, em 6 anos, para questionar o 1º ministro; Pinto Monteiro diz que manda tanto como a rainha de Inglaterra; ontem o Expresso dizia que Cândida Almeida negociou a não inquirição a Sócrates, em troca da publicação das perguntas que lhe deveriam ter sido feitas; o DN diz hoje que, segundo os ingleses, os procuradores portugueses não percebiam nada do processo e estavam mas era preocupados em afirmar a sua independência…

Silly judges!…

PS – este post deve ser lido tendo, como música de fundo, aquela célebre estrofe: “se tu visse o que eu vi/ à porta do tribunal/ as cuecas do juiz/ embrulhadas num jornal”

Touche pas aux messieurs juges

Podes descer a avenida da Liberdade gritando “Sócrates mentiroso”!

Podes dizer, escrever e publicar que Cavaco é como o eucalipto – seca tudo à sua volta.

Podes dizer que Alberto João Jardim é um bronco, que os deputados são uns calões, que os ministros são incompetentes.

Mas cuidado com o que dizes dos juízes!

Eles fazem parte do único órgão de soberania que não é eleito, mas não podem ser criticados, pressionados, postos em causa.

Ontem , o inefável presidente da Associação Sindical dos juízes, António Martins, disse coisas engraçadíssimas, na Sic.

Disse, por exemplo, que não estava de acordo que um advogado pudesse defender um arguido do caso Face Oculta e, ao mesmo tempo, fazer parte do Conselho de Magistratura, que avalia os juízes.

O entrevistador chamou-lhe a atenção para o facto de estar a pôr em causa a honorabilidade do referido advogado, ao que ele respondeu que não era bem isso mas que poderia haver conflitos de interesses e tal e coisa. Em resumo: a ocasião faz o ladrão – ao fazer parte do Conselho de Magistratura, o advogado poderia sentir-se tentado a avaliar por baixo um juiz que o tivesse lixado num processo qualquer.

A associação sindical dos juízes pediu, ainda, a demissão do ministro Vieira da Silva por achar inaceitável que ele tenha dito que havia espionagem política no caso Face Oculta.

Por outras palavras: um gajo que eu mal sei quem é, que não foi sufragado pelos eleitores, pede a demissão de um ministro de um Governo que acabou de ganhar as eleições, com 38% dos votos.

Vão dar banho ao cão!

(“Touche Pas à La Femme Blanche” é um filme de Marco Ferreri, realizado em 1974, com Michel Piccoli, Catherine Deneuve e Marcello Mastroianni – um filme surrealista, como esta Associação Sindical)