Remodelação governamental (Crónicas do Solnado – 6.4.1984)

Entre dezembro de 1983 e março de 1985 escrevi mais de 30 crónicas que foram lidas e interpretadas pelo Raul Solnado, primeiro, no programa Fim de Semana, na RTP-1, depois no Programa da Manhã, da Rádio Comercial.

Hoje sinto-me um contribuinte inquieto.

Parece certo que o governo será remodelado lá para o fim do mês.

Mas afinal – remodelar quem e porquê?

Vem nos manuais que não se altera uma equipa que vende um desafio, a menos que haja lesões.

E esta equipa venceu, pelo menos, o desafio dos 2,8 – ou não venceu?

Há por aí alguém que ainda não tenha pago o imposto retroactivo após estes meses todos?

Se houver que se acuse, que a Direção geral das Contribuições e Impostos agradece.

Mas repito a pergunta: remodelar quem e porquê?

Porventura Maldonado Gonelha não tem estado a tratar bem da saúde?

A sua experiência como membro da Trilateral tem-lhe permitido lidar com os três polos principais da sua pasta: o positivo, o negativo e o neutro.

Melancia estará mal no Mar?

Que se saiba, não enjoa e nunca foi ao fundo. E se o hábito não faz o monge, nome de ministro não faz Ministério. Até porque nem existe nenhum Ministério da Fruta, nem nenhum ministro com nome de peixe.

E quanto a Eduardo Pereira?

Houve a questão de Vizela, é certo… Ainda não desmantelou nenhuma conspiração, é verdade… Talvez até tenha inaugurado menos quartéis de bombeiros que o seu antecessor, o engenheiro Ângelo Correia. Mas deem tempo ao tempo…

O ministro do Trabalho é sempre um dos mais contestados. Amândio de Azevedo tem-se mantido calmo. E é falso esse rumor segundo o qual alguém terá perguntado ao 1º ministro: “E ao do Trabalho, o que se faz?” – “Olhe, Amândio ao ar!”

É falso! Tudo calúnias!

Poderão dizer que há para aí muitas greves e manifestações de trabalhadores. Mas não será essa a obrigação dos trabalhadores: reivindicar?

Se não forem eles a pedir melhores salários, quem o fará? O ministro?…

As Finanças também vão andando… Ernâni Lopes conseguiu manter o mistério em volta do seu Ministério. E ninguém sabe ao certo se ele é alto desde pequenino, se de facto se ri menos que o presidente Eanes – e até se o seu primeiro nome se escreve, ou não, com agá.

Fez o que lhe era exigido: criou novos impostos e apresentou um orçamento. Há mais alguma coisa a declarar?… se houver, a Direção Geral das Contribuições e Impostos agradece…

Rosado Correia, o ministro do Equipamento Social parece que é um dos que vai sair – mas porquê?… Há muito tempo que o nosso equipamento social é todo em segunda mão e não seria um único ministro que poderia mudar as coisas…

Soares da Costa está mal na Agricultura e Florestas?… Por causa da batata turca ou porque não mandou construir outro pinhal de Leiria?

E poderão vocês aí em casa, comodamente instalados, afirmar que José Augusto Seabra não tem estado à altura dos problemas da Educação? … Olhem que os problemas têm sido bem grandes, obrigando o ministro a pôr-se, muitas vezes, em bicos de pés.

E poderia continuar a desfiar o rosário dos ministérios, mas limito-me a falar de mais um: o Ministério da Defesa.

Diz-se que a melhor defesa é o ataque, mas o professor Mota Pinto é um pacifista… Haverá algo a dizer sobre esta pasta?

Porventura temos alguma responsabilidade na guerra do Líbano? Apoiámos a invasão de Granada? Temos algo a ver com a situação instável na América Latina? Ajudámos militarmente os rebeldes afegãos?

A resposta é – não!

Declarámos guerra a algum país? Efectuámos um raid aéreo para amostra? Estamos a fabricar misseis nucleares?

A resposta é, ainda e sempre, um rotundo não!

Nem sequer fomos invadidos pelos castelhanos, embora eles também não nos tenham invadido Olivença.

Portanto – remodelar quem e porquê?

O 1º ministro, só porque teve uma gripe?

Não!… na minha opinião, deixem estar o governo como está e façam o favor de ser felizes…

O deslocamento da rotina

O novo governo de António Costa entregou ontem, na Assembleia da República, o seu Programa.

Ainda não o li.

Felizmente, outros o leram por mim.

É o caso do director do Público, Manuel Carvalho.

Carvalho deve ter lido o Programa e diz que ele “celebra a rotina”.

No seu artigo de opinião de hoje, carvalho escreve:

“Se há elogio a fazer ao programa do Governo é que entre a sua longa lista de medidas é difícil encontrar alguma que careça de sentido, que seja errada, que esteja condenada ao fracasso ou implique um retrocesso”.

Ora bem, isto parece ser positivo.

O Programa do Governo do Costa não tem nenhuma medida sem sentido, não tem nenhuma que esteja errada ou condenada ao fracasso, nem nenhuma que implique um retrocesso.

Aplausos, portanto.

Ou não?

É que Carvalho acrescenta:

“Tudo ali parecer demasiado óbvio, certinho, previsível, alcançável ou razoável”.

Parece, pois, que Carvalho queria que o Programa do Costa fosse obscuro, esparvoado, imprevisível ou disparatado.

E o director do Público diz mais:

“Tudo ali acusa falta de rasgo, de ambição ou de propósito transformador. Um programa para um país conformado, não para um país com sentido de urgência”.

Partindo do princípio de que percebemos o que é um “país com sentido de urgência”, ficamos com a ideia de que Carvalho queria um programa de governo com ideias malucas, propostas de ruptura, medidas desmioladas que abanassem o sistema.

Carvalho fez-me lembrar uma doente minha que sofreu um descolamento da retina e que decidiu renomear essa patologia, chamando-lhe “deslocamento da rotina”.

Era isso que Carvalho queria no programa do Governo: um deslocamento da rotina…

Mais vale cultivar mirtilos do que casar com um ministro

A comunicação social anda alvoroçada com a endogamia ou o nepotismo do governo de António Costa.

Ora, segundo os dicionários, endogamia é o “enlace matrimonial entre pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar, social, étnico, religioso”; ou ainda, “reprodução com alta frequência de cruzamento entre indivíduos que apresentam consanguinidade

Quanto a nepotismo, define-se como “valimento de que gozavam junto de certos papas os seus sobrinhos ou parentes“, ou, por extensão, “favoritismo excessivo dado a parentes ou amigos por pessoa bem colocada”.

Dizer que os ministros e ministras consanguíneos se andam a reproduzir com alta frequência, ou que estão a ser favorecidos por certos papas, parece-me excessivo…

Tudo isto começou pelo facto do António Costa ter nomeado a filha do ministro Vieira da Silva, Mariana, como ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, para além do facto de já existir, no governo, marido e mulher, nas pessoas de Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, e Ana Paula Vitorino, ministra do Mar.
Os jornalistas escavaram e descobriram que a mulher de Pedro Nuno Santos, novo ministro das Infraestruturas, é directora-geral de qualquer coisa e que, neste governo, os exemplos de relações familiares se multiplicam, havendo namoradas de secretários-gerais, mulheres a dias que já trabalharam na casa de alguns directores gerais, primos de adjuntos que se casaram com ex-namoradas de actuais ministros e até, ao que parece, sogras e genros, tios e tias, madrinhas e muitos padrinhos.
A mesma comunicação social que encheu primeiras páginas com a passagem de testemunho de Belmiro de Azevedo para o seu filho Paulo, ou a de Américo Amorim para a sua filha Paula, escandaliza-se, agora, com a filha do ministro e esposa do ministro.
Ainda por cima, Pedro Nuno Santos, desculpou-se, numa carta, dizendo que tudo isto era natural, que conhecia a sua mulher desde os tempos da Juventude Socialista, que faziam trabalho político em conjunto, muitas horas por dia e que, naturalmente, se tinha apaixonado por ela.
Claro que está a ser gosado com abundância.
A mim, parece-me natural que os ministros nomeiem familiares da sua confiança para os ajudar nas suas tarefas, desde que esses familiares tenham habilitações para as funções que vão desempenhar.
Seria estranho que Pedro Nuno Santos, sendo casado com uma mulher capaz de exercer as funções para que foi nomeada, preferisse que tivessem nomeado outra pessoa qualquer.
Entretanto, o Tribunal Constitucional decidiu arquivar o processo por incompatibilidade em que era visado João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto, por ter acumulado com este cargo, durante 22 meses, a gerência de uma empresa familiar de produção de mirtilos.
Ora, se produzir familiarmente mirtilos não é incompatível com fazer parte do Governo, deixem lá os membros desta grande família socialista nomearem-se uns aos outros.
Só se estraga uma família…

Deixem o Cavaco em paz!

O homem está em fim de mandato, está velho e acabado, parece que anda adoentado e é agora, que o bolcheviques decidem apoiar os mencheviques e os trotkas se juntam à molhada, todos numa coligação que faz o Lenine, mesmo embalsamado, dar voltas no túmulo. Só é pena o Garcia Pereira ter sido afastado do MRPP, quando não, até os maoistas apoiariam este verdadeiro eixo do mal, que se prepara para deixar o Cavaco à beira do esgotamento.

Palmas para eles, portanto!

maria cavaco

164 especialistas? Puf!…

O Tribunal de Contas advertiu o Governo para o facto de ter recrutado 164 especialistas que são pagos a peso de ouro.

Segundo o TC, três desses especialistas ganham entre 4615 e 5775 euros e os restantes recebem entre 3069 e 3892 e parece que também têm direito aos subsídios de natal e de férias, ao contrário dos restantes funcionários públicos.

O TC está ainda mais intrigado pelo facto de 15% desses 164 especialistas terem idades entre os 25 e os 29 anos, o que leva a supor que, para serem especialistas, devem ter terminado o curso aos 15 ou 16 anos.

O Tribunal de Contas está a ser injusto.

Com tanta merda que tem feito, 164 especialistas até são poucos para ajudar este governo!…

Por Torgal! Por Torgal!

Nunca pensei vir a apoiar um bispo!

Ainda por cima, Januário.

Mas o bispo das Forças Armadas (repito: para que raio serve um bispo na tropa?) disse isto:

«Este governo é profundamente corrupto nestas atitudes a que estamos a assistir. (…) Não acredito nestes tipos, nalguns destes tipos, porque são equívocos, porque lutam pelos seus interesses, têm o seu gangue, o seu clube, pressionam a comunicação social, o que significa que os anteriores que foram tão atacados, eram uns anjos ao pé destes diabinhos negros – alguns! – que acabam de aparecer!»

Vai-te a ele, Torgal!

Morde-lhes as canelas, Torgal!

Usa a tua influência eclesiástica e manda-os para o diabo que os carregue, Torgal!

Por Torgal! Por Torgal!

Força, por Torgal!

ImPassos Coelho

O Passos está num impasse.

O Relvas, afinal, é um doutor da mula russa.

Das 32 cadeiras do curso, fez exame apenas a 4 e os respectivos professores afirmam nem se lembrarem da criatura. Grande combatente das Novas Oportunidades, de Sócrates, chegou a dizer: “Eu no lugar do engenheiro Sócrates tinha vergonha, eu se fosse parente do engenheiro Sócrates escondia que era parente dele”. (confirmar aqui e aqui)

O Portas anda pelo estrangeiro a falar inglês com sotaque do Colégio S. João de Brito e parece que não tem nada a ver com as medidas impopulares.

Há mais dois ou três ministros que ninguém conhece e até se duvida que existam.

O Gaspar já se começou a engasgar.

Vi-o ontem, acabado de chegar da China, sem gravata, cheio de jet lag e incapaz de dizer algo de concreto sobre a decisão do Constitucional.

A Cristas segue o exemplo do seu chefe Portas e anda pelas feiras, a promover o Alvarinho (o vinho, não o dos pastéis de nata).

O Álvaro Santos Pereira parece uma barata tonta. Sempre que o governo tem uma iniciativa no âmbito da Economia, é outro colega que vem a público anunciá-la. Foi o Relvas que anunciou o Impulso Jovem, uma espécie de desodorizante para desempregados  e foi Portas que foi vender carne portuguesa no Cazaquistão, e depois é ao Mercedes do Álvaro que os manifestantes dão caneladas!

Quanto ao Passos cortou o cabelo e já se nota que está a ficar careca!

Para cúmulo, o Tribunal Constitucional considerou anti-constitucional o corte dos subsídios de férias e de natal aos funcionários públicos.

Apanhado de surpresa, a caminho do teatro, acompanhado pela sua sorridente esposa, Passos balbuciou que vai ter que estender o corte os subsídios a todos os trabalhadores, incluindo os privados.

Pata na poça, Passos!

Fazes isso como? Com mais impostos? Mas os novos impostos já não tinham acabado? Então, e aqueles planos miraculosos que o Relvas tinha para cortar na despesa do Estado (consultar aqui)? Ele até disse, na Universidade de Verão do PSD, que  vamos “cortar nas despesas do Estado, cortar em muitos institutos públicos que nós já temos, cortar a despesa inútil que temos no Estado, na despesa supérflua que nós temos no Estado central, no Estado regional e no Estado local”.

Afinal, parece que as 30 cadeiras que o Relvas não frequentou na Lusófona fizeram-lhe falta, porque o gajo não sabe do que está a falar…

E com braços-direitos como este, tu estás lixado!

Devias ter feito como o Gaspar: engasgavas-te e não dizias nada de concreto.

Talvez termines a legislatura, Passos, mas escusas de te recandidatar, pá!…