“O Céu É Dos Violentos”, de Flannery O’Connor (1960)

Flannery O’Connor morreu em 1964, aos 39 anos, vítima de lupus. Tinha apenas publicado dois romances e uma série de contos e ganho diversos prémios. O National Book Award foi-lhe concedido a título póstumo, em 1972, pela colectânea dos seus contos.

“The Violent Bear It Away” é o seu segundo romance e é uma história estranha, negra, fechada sobre si própria.

Ao ler o romance, não pude deixar de pensar na luta entre os criacionistas e os evolucionistas, que tantos ódios desencadeia nos EUA.

O romance narra a história de Tarwater, um jovem de 14 anos. O seu tio-avô, um lunático que se julga um profeta enviado por Deus, raptou-o, ainda bebé, e cuidou dele, ensinado-o a tornar-se, também, um profeta.

Vivem os dois isolados numa casa, no campo. Certo dia, o velho morre subitamente e o rapaz, incapaz de abrir uma cova suficientemente funda para enterrar o avô, deita fogo à casa com o avô lá dentro. Depois, foge para a cidade, em busca do seu tio, irmão da sua mãe. Este é um professor que renegou a religião, só aceitando a ciência. Vive só, depois de a mulher o ter deixado, a ele e a um filho, que é atrasado mental.

O professor recebe Tarwater de braços abertos. Quer tirar-lhe da cabeça todas as ideias místicas que o velho lá implantou e mostrar-lhe que a ciência tudo explica. No entanto, o rapaz é intratável, não aceitando sequer vestir roupas novas.

A linguagem da escritora é, ao mesmo tempo, lírica e rebuscada: “o rastilho podia ser um pau ou uma pedra, o desenho de uma sombra, o andar absurdo e geriátrico de um estorninho a atravessar o passeio”.

O retrato destas personagens obcecadas pela religião e pela culpa, dá uma ideia de uma certa América que, de certo modo, ainda se mantém nos dias de hoje.

O livro foi publicado em 1960 e está datado. Hoje em dia, um miúdo de 14 anos não passa de um fedelho. Tarwater, pelo contrário, é já um homem, fuma os seus cigarros e bebe o seu whisky.

O modo como a escritora falar dos personagens de raça negra, perdão, dos afro-americanos, também não seria bem aceite, hoje em dia: “Estava prestes a sentar-se quando, mais adiante, num espaço varrido pelo vento à beira da estrada, viu uma cabana de pretos. (…) Os pretinhos ficaram a observá-lo até ter saído daquele lugar e ter desaparecido pela estrada abaixo”.

No final do livro, Tarwater afoga o primo imbecil, depois de o baptizar e, mais tarde, parece que é violado por um homem que lhe dá boleia, mas a escritora apenas o sugere.

A culpa, sempre a culpa. E a respectiva expiação…

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